quarta-feira, junho 22, 2005

Miriam Leitão : Reações do governo







O presidente Lula fez seu desabafo. É natural que o fizesse. Mas errou no tom e alimentou a visão de que há uma conspiração em marcha. Ameaças não ajudam a tirar dúvidas que ficaram pairando: existe ou não o mensalão? O presidente sabia ou não? Este desabafo é parte da estratégia de reação do governo. Ela consistiu até agora em: trocar o ministro da Casa Civil, negociar mais espaço para o PMDB para fortalecer a base, convocar movimentos sociais, empossar uma CPI dócil e propor uma reforma política. Pode dar tudo errado. O alívio para o governo virá de onde ele não esperava: dos juros.
A ministra-chefe da Casa Civil pode ser boa gerente e dar agilidade aos processos que ficaram excessivamente concentrados no gabinete de José Dirceu, mas é errado imaginar que ela não terá atuação política. É inerente ao cargo fazer negociações com a base, com governadores, com grupos diferentes, tomar decisões que são de natureza política, como Dilma explicou ontem. Quem aos 18 anos entra na militância e passa lá bons anos, disposta a matar e morrer, pagando o preço de longa prisão e até tortura e depois se dedica às políticas públicas terá sempre uma visão política dos fatos. Não existe a idéia do técnico, em oposição ao político, totalmente separados. O que ela demonstrou foi ser capaz de entrar no emaranhado do setor elétrico, desvendá-lo e apresentar um modelo alternativo consistente. Ele é controverso, ainda terá que passar pelo teste, mas foi feito por ela mesma. Sua missão na Casa Civil é mais ampla. Dilma tem muitos méritos e, mesmo assim, corre o risco de fracassar. Primeiro, por seu temperamento, pouco dado a conciliações. Segundo, porque ainda não se sabe como o governo pretende fazer essa ligação entre Casa Civil e Articulação Política. Não deu certo entre José Dirceu e Aldo Rebelo.


A reforma ministerial ampla que traga o PMDB mais para perto do governo pode dar errado por um motivo: o PMDB está acalentando a chance da candidatura própria e tem um histórico de infidelidades a todos os governos aos quais adere. O governo está aumentando sua dependência do PMDB sem garantia de que o terá ao seu lado nas horas decisivas. Reforma ministerial é sempre um torturante quebra-cabeça e o presidente Lula não tem apetite para essa engenharia de governo.

CPI dócil não existe. CPIs que fazem sucesso permitem aos seus condutores estar sob os holofotes e os olhos da opinião pública. Na CPI do PC, o deputado Benito Gama surpreendeu exibindo uma inesperada independência até em relação ao seu mentor político na época, Antonio Carlos Magalhães. O senador Delcídio Amaral bateu o recorde olímpico entre ser eleito presidente da CPI e começar a fazer exigências ao governo. A CPI dos Correios tem 6 integrantes do PT e 7 do PMDB. O governo só tem 59% da CPI contando os votos do PT, PMDB, PL, PP e até os do PTB, que hoje são incertos. Além disso, são partidos nos quais está o centro do terremoto. Esta CPI enfrentará competição. Se quiser servir pizza aos comensais, eles poderão se servir em outras mesas: Comissão de Ética, Corregedoria, CPI do Mensalão.

Outra parte da estratégia do governo é convocar os movimentos sociais e acusar a oposição de golpismo. Isso é errado e contraproducente. Para começar, porque não há golpe nem conspiração em marcha. O presidente falou como se houvesse uma rejeição da elite a ele. Houve no passado. Sua arte foi a de atenuar esses atritos. Este caminho de dizer que a elite conspira contra ele pelas suas origens e alimentar delírios conspiratórios que o PT sempre nutriu é, dos últimos movimentos feitos pelo governo, o mais equivocado. Outro ponto estranho do discurso de ontem foi o tom meio alienado em que falou; como se a única dúvida que houvesse fosse o que aconteceu nos Correios. Se fosse só isso, o presidente precisaria explicar por que trocou o chefe da Casa Civil.

A reforma política, como está proposta, tem defeitos óbvios: não proíbe troca de partido, dará sobrevida aos partidos menores, introduz o voto em lista fortalecendo os caciques partidários (vários deles hoje sob suspeição) e proíbe o financiamento privado aos partidos. O financiamento de campanha aflige o país inteiro, não é invenção deste governo, é preciso criar regras para aumentar a transparência das doações, e não proibi-las, porque elas continuarão existindo.

Os movimentos feitos até agora pelo governo não tranqüilizam ainda. O mercado financeiro, porém, continua calmo, como mostram as oscilações leves de todos os indicadores. A valorização do real continua; para desespero dos exportadores. O fato de não haver as turbulências econômicas de outros momentos de tensão política é bom, mas não deve enganar ninguém. Fatores às vezes fora do controle do país podem detonar uma mudança de humor repentina. Uma das coisas que mais se teme atualmente é o estouro da bolha imobiliária americana.

Quem pode dar uma boa notícia ao governo nestes 18 meses finais de mandato é a taxa de juros. Ela será reduzida pela queda da inflação e isso vai injetar mais ânimo na economia, que está em plena desaceleração. Esta semana, o Conselho Monetário Nacional se reúne novamente para decidir a meta de 2007 e confirmar a de 2006. A informação do governo é que a meta do ano que vem ficará mesmo em 4,5%.

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