o globo
O Ministério da Justiça está preparando uma portaria com instruções para normatizar as ações da Polícia Federal no combate à corrupção. Segundo o ministro Márcio Thomaz Bastos, não haverá recuo nas investigações, não haverá qualquer restrição ao trabalho, mas a "cartilha" de ação aproveitará a experiência desses últimos tempos para aperfeiçoar a atuação dos agentes. O sentido da portaria é, segundo o ministro, "fazer desaparecer algumas arestas", o que inclui os procedimentos para o recolhimento de provas em escritórios de advocacia, evitando-se as críticas que começam a ganhar corpo.
O ministro Márcio Thomaz Bastos recusa a acusação de "invasão" de escritórios de advocacia, lembrando que esse procedimento está previsto na Constituição e no próprio estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Considerada uma das poucas ilhas de eficiência no Ministério do presidente Lula, a atuação da Polícia Federal tem sido muito elogiada, especialmente por não obedecer a critérios políticos. A tal ponto que, segundo o deputado Roberto Jefferson, o ex- chefe da Casa Civil José Dirceu acusou-a de "ser tucana", por ter prendido doleiros durante a campanha municipal, supostamente impedindo assim que trouxessem dinheiro para financiar a campanha eleitoral.
Um dos pontos altos do governo Lula até o momento, a muitas vezes midiática atuação da Polícia Federal no combate à corrupção que, segundo o próprio presidente se jacta, "nunca foi tão livre, ágil e eficiente quanto agora", pode se tornar seu calcanhar-de-aquiles, num momento especialmente delicado. Pois já há quem esteja vendo nessa ação "livre" da Polícia Federal, abuso de poder e manipulação política.
A intenção inicial era de que as ações da Polícia Federal fossem "exemplares", e por isso exibia-se para as câmeras de televisão e fotógrafos previamente avisados o aparato policial mobilizado e, principalmente, os presos algemados. Essa é uma questão que ainda está em discussão, e não deve ser abordada já nessa próxima portaria.
O próprio presidente Lula, no único discurso com pé e cabeça que proferiu em meio à sucessão de acusações de corrupção que vêm atingindo seu governo, ressaltou na televisão que "nunca o Brasil viu tanta gente importante e poderosa sendo presa por corrupção e por fraude contra os cofres públicos como agora: empresários, juízes, delegados, políticos, policiais e funcionários públicos graduados que há anos, às vezes há décadas, agiam impunemente".
Essas seguidas ações da Polícia Federal, freqüentemente acompanhadas de busca e apreensão de documentos e computadores em escritórios de advocacia, têm provocado reações indignadas dos órgãos que representam os advogados, especialmente a Ordem dos Advogados do Brasil ( OAB), que por ironia já foi presidida pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, um grande advogado criminalista que hoje tem sob seu comando a Polícia Federal.
Começou a ser distribuído ontem em escritórios de advocacia de todo o país um manifesto assinado por advogados do nível dos ex-presidentes da OAB, Rubens Approbato e José Roberto Batochio, e diversos outros, especialmente paulistas, que, até com um certo exagero retórico próprio dos advogados, propõe que a categoria reaja "com o uso do próprio corpo" às invasões de escritórios de advocacia pela Polícia Federal. O texto dramatiza, dizendo que tal reação "poderá levar a situações extremas, inclusive com perigo à incolumidade pessoal e à vida". E, num evidente erro de avaliação política, compara a situação atual ao Estado Novo de Vargas e aos anos de chumbo dos militares.
O atual presidente da OAB, Roberto Busato, é direto ao acusar o governo de manipulação política das ações da Polícia Federal para encobrir as denúncias de corrupção que o atingem. Ele já havia provocado a irritação do ministro Thomaz Bastos quando, em uma palestra no exterior, falou em impeachment do presidente Lula, logo no início da crise desencadeada pelas entrevistas do deputado Roberto Jefferson. O ministro da Justiça foi ríspido em sua resposta na ocasião, taxando-o de "leviano", o que fez acirrar a disposição de Busato contra o governo, que acusa de usar a Polícia Federal para fazer "propaganda do Estado".
Também os mandados judiciais, que são a justificativa oficial para o que chamam de "invasão", estão sendo criticados pelos advogados, que os consideram muitas vezes genéricos e distribuídos somente para garantir uma suposta legalidade para o recolhimento de eventuais provas. A Associação dos Juízes Federais do Brasil entrou na briga defendendo os mandados de busca e apreensão, argumentando que, em tempos de internet e alta tecnologia, as buscas de provas têm que ser imediatas, sob o risco de os crimes ficarem impunes. São essas as arestas que a portaria do Ministério da Justiça pretende aparar.
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