Com os números, é possível provar qualquer coisa. Ontem, oposição e governo tiveram números para todos os gostos. A pesquisa mensal da CNT/Sensus mostrou uma clara tendência de queda da popularidade do presidente Lula pela quarta vez consecutiva, embora os índices favoráveis ainda continuem altos.
Suficientemente altos para mostrar que Lula continua imbatível, seja contra que candidato for, mesmo atravessando já há alguns meses crises políticas sucessivas.
A executiva nacional do PSDB, por seu lado, analisou uma pesquisa qualitativa — onde se mede a percepção do eleitor — que dá indícios de que essa queda está fortemente ligada a uma imagem de fraqueza, de falta de comando do presidente, que tem tudo para se intensificar à medida que a crise política se acentue.
É possível avaliar que o carisma do político Lula é tão forte que segura os muitos defeitos de seu governo. Mas é possível também, do ponto de vista da oposição, ter expectativas de que o desgaste da imagem levará o PT a uma derrota na eleição de 2006, derrota que era completamente imprevisível há poucos meses. Cruzando as informações das duas pesquisas, é possível dizer que o governo tem dois problemas sérios: a corrosão da sua imagem ética, talvez a bandeira mais emblemática do PT, e a ineficiência administrativa.
Com relação à corrupção, mais uma vez temos maneiras diferentes de ver os números da pesquisa CNT/Sensus: para o governo, o fato de que cerca de 48% dos entrevistados não tenham informação sobre a CPI dos Correios é alvissareiro. Mas há o contraponto: tecnicamente, é muito alto o índice de 51% de entrevistados que têm conhecimento do assunto, e mais indicativo ainda que a maioria dos que estão informados seja a favor da CPI.
Ainda assim, a percepção de que o governo Lula tem menos corrupção do que o de Fernando Henrique continua prevalecendo, embora esteja em franca decadência. A corrupção no país já é a principal causa de preocupação dos brasileiros, superando pela primeira vez a violência.
A avaliação cada vez pior do governo, reafirmada pela pesquisa de ontem, indica que o que segura uma candidatura vitoriosa à reeleição é a figura pessoal de Lula. Segundo a pesquisa dos tucanos, o PT é visto como um partido que trouxe para dentro do governo suas brigas internas, o que atrapalha o país, além de ter perdido sua identidade de quando era oposição.
Por essa leitura, a atuação da esquerda do PT é uma permanente esperança de que o governo pode retomar os rumos do que seria um verdadeiro "governo de mudanças", e serve para manter no partido boa parte dos militantes.
Ao mesmo tempo, porém, a permanente "ameaça" de que o "verdadeiro PT" uma hora acabe dominando o governo faz com que boa parte dos eleitores tema uma eventual ruptura num segundo mandato de Lula. A ligação dos eleitores com Lula é mais afetiva do que baseada em resultados, diz a pesquisa do Orjan Olsen, do Instituto Ipsos Opinion. Por isso, a imagem do candidato tucano competitivo deveria unir o respeito afetivo pelo eleitor ao administrador experiente, com resultados concretos para se contrapor ao governo Lula, considerado fraco, e que se salva mais pelas intenções do que pelas realizações.
A campanha do PSDB não pode ser negativista, alertam os marqueteiros tucanos. O eleitorado mostrou nas pesquisas qualitativas que, apesar do sentimento de frustração, precisa continuar acreditando em dias melhores quer manter "a esperança que venceu o medo". Um conselho recorrente é que o PSDB se mostre unido para se contrapor às brigas petistas.
Por isso, ou talvez por simples senso de sobrevivência, o prefeito paulistano José Serra e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que num primeiro momento ensaiaram jogar a culpa das enchentes um no outro, logo se uniram para anunciar planos conjuntos de obras.
O eleitor já não se contentaria com as brigas políticas vazias, indica a pesquisa qualitativa, mas quer ver seus interesses defendidos. Por isso, a contraposição da imagem de um bom "gerente", o mote inicial da campanha de Alckmin, a um governo ineficiente pode render bons dividendos. Há desconfiança, no entanto, que definir o candidato apenas como um bom gerente seja um raciocínio frio demais, insuficiente para superar a imagem afetiva que Lula transmite. Por isso, no programa do PSDB, o governador de São Paulo passou a ser chamado de "Geraldo", e o lema "gente em primeiro lugar" tenha aparecido como a marca dos governos tucanos.
As pesquisas eleitorais feitas pela CNT/Sensus mostram um Lula imbatível, no mesmo nível de 2002, mesmo diante de José Serra que, com o chamado "recall" -— lembrança — das eleições presidenciais, é o tucano que mais se aproxima do presidente.
A questão é que os números de hoje não refletem o que será a campanha eleitoral, muito mais acirrada do que as anteriores. O presidente Lula, pelas características históricas do PT e pelo pragmatismo que caracteriza seu governo, estará exposto a situações novas para ele.
Será atacado pela esquerda radical, hoje representada não apenas pelo PSTU mas pelo P-Sol da senadora Heloísa Helena; pela esquerda moderada, representada por PPS, PDT e PSDB; pelos liberais, que no momento têm Cesar Maia como candidato e que poderão ter até mesmo o vice-presidente José Alencar candidato pelo PL. Sem contar com o populismo evangélico do hoje inelegível Garotinho, que aparece em segundo lugar em várias das projeções feitas pela pesquisa CNT/Sensus, embora sem força para ir para o segundo turno. E, pior que isso, Lula terá que defender pela primeira vez em uma campanha teses que nunca foram suas: juros altos; superávit primário, pagamento da dívida. Estará exposto, enfim, ao bombardeio que sempre comandou.
o globo
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