folha de s paulo
A falta de destaque, na mídia, torna ainda mais expressiva a inusitada ausência de algumas palavras de Lula, tão discurseiro sempre, na transferência do Gabinete Civil de José Dirceu para Dilma Rousseff. Não só a praxe planaltina como o histórico das relações políticas e pessoais entre Lula e Dirceu esperariam, no mínimo, um agradecimento de razoável ênfase a quem partia. A menos que as razões da partida justificassem a omissão ostensiva e a fisionomia fechada que Lula, quase alheio, exibiu.
Não estamos na Dinamarca, mas o trono planaltino não emite sinais diferentes dos atribuídos certa vez, pelo bardo, ao reino dos dinamarqueses.
Ao retomar, no mesmo dia, a campanha reeleitoral que o ocupa desde o início do governo, Lula não ofereceu a sindicalistas e pequenos agricultores, em comício na goiana Luiziânia, melhor fisionomia nem melhor relação com o assunto das denúncias que atingem seu governo.
O governo não é transparente. Mas nem o esforço impede que a fisionomia e o jeito de Lula o sejam, sempre. Suas iras estão na cara, literalmente. O que ele reforça com outro traço infalível: a louvação de si mesmo de modo agressivo, como se isso de fato respondesse ao que o faz irado.
José Dirceu talvez seja melhor ator, mas no papel de reestreante na Câmara pôde dar prova de que o argumento de "defesa da honra pessoal e do governo", para deixar o Planalto, não convence platéia nenhuma. A validade da exaltação que fez do governo Lula pode medir-se por uma frase: "(...) Levou o Brasil a se tornar uma liderança não só na América do Sul mas no mundo".
A cumprir, como prometeu, a defesa do governo na Câmara, José Dirceu já tem, desde ontem, ainda mais com que se ocupar. O depoimento de Maurício Marinho, aquele do vídeo em que embolsa R$ 3.000, proporcionou muitos elementos merecedores de investigação em linhas ainda intocadas. Em relação, por exemplo, ao controle de diretorias estatais que conduzem concorrências públicas em geral, mas, particularmente, quanto à publicidade oficial. Não há dúvida de que a publicidade e a fortuna que o governo lhe destina contêm muitas interrogações necessitadas de resposta.
A Secretaria de Comunicação, do ministro Luiz Gushiken, emitiu nota imediata para recusar afirmações de Maurício Marinho. Mas não elimina razões fortes para uma investigação, quanto a licitações e contratações para a publicidade por diferentes dependências oficiais. E nem mesmo neutraliza o noticiário de tempos atrás, originário do próprio Planalto, sobre a concentração das decisões da propaganda na Secretaria de Comunicação.
A oposição prestará um grande serviço ao país se, em vez de politizar a necessidade de investigações, dedicar-se com empenho e objetividade à tarefa investigatória. Já existe bastante a investigar, mas se pode esperar muito mais.
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