SÃO PAULO - A dita esquerda do PT tem feito troça involuntária e de mau gosto da gestão Lula ao reivindicar um "choque ético" no governo. Uma das pantomimas finais e desesperadas do governo Collor foi a nomeação de um "ministério ético" (isto é, Collor parecia dizer ao país que, até então, seu ministério fora um conluio de bucaneiros e salteadores).
Afora o ridículo inadvertido da lembrança de Collor, a esquerda do PT faz o teatro habitual. Na melhor das hipóteses, Lula vai eletrocutar só urubus mais evidentes, que rapinam licitações nas estatais. De resto, se quiser manter a aparência de que governa, terá de refazer seu pacto com o grão-urubu de cada partido satélite (PTB, PP, PL), nas condições desvantajosas que são a de um governo sistematicamente derrotado no Congresso e acuado na opinião pública.
Mas esse "pacto de governabilidade" está garantido (vamos dar esse nome generoso à feia barganha que virá)? Como acalmar os urubus em meio à zoeira da CPI? Não há como evitar baixas na "base aliada", por mais controle que o governo venha a ter da CPI dos Correios. Quanto mais tiros certos da CPI, mais baixas na "base aliada", maior o custo dos pedidos dos urubus. Por outro lado, quanto mais controle governista da CPI, mais agitação oposicionista haverá. Ou PSDB e PFL consideram que já aproveitaram o bastante da crise e vão se acalmar?
Isso tudo se passa em um momento em que o impulso de 2004 e torrentes de crédito popular ainda sustentam a economia. Apesar da obstinação alucinada do Banco Central, os juros ainda não embicaram a produção para baixo, o que pode começar a acontecer agora, em meados do ano.
Pode ser que a economia baixe suavemente e, mesmo na pior das hipóteses, o pleno impacto da desaceleração na vida do povo comum ocorreria mais tarde, no último trimestre. O governo tem algum tempo, pois, para se recuperar das tolices políticas antes de enfrentar os efeitos das tolices econômicas. Mas tem feito esforços para enganchar uma crise na outra.
folha de s paulo
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