"Só faltou chamarem o Malan." O comentário do economista Paulo Rabello de Castro resumiu com significativa ironia a linha adotada pelo ministro Antonio Palocci Filho ao indicar para o cargo de secretário-executivo da Fazenda o economista Murilo Portugal, ex-secretário do Tesouro na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso. Como se sabe, o novo "vice-ministro" passou a ocupar o posto de Bernard Appy, deslocado para a Secretaria de Política Econômica, em substituição a Marcos Lisboa, que deixou voluntariamente o governo.
De Portugal, a imprensa lembrou o sinistro apelido de "Satânico Dr. No", uma alusão ao personagem de Ian Fleming e à rigidez com que o economista costumava dizer não às demandas de verbas dos ministérios. O novo secretário-executivo, que representava o Brasil no FMI, é tido como técnico competente e desponta, nas especulações, como candidato a substituir o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, na hipótese de ele se candidatar ao governo de Goiás nas eleições de 2006.
Os movimentos no tabuleiro da equipe econômica, portanto, não parecem ter chegado ao fim, ainda que o Planalto, naturalmente, deva continuar negando futuras mudanças. Embora um nome como Portugal no comando do BC não represente, em princípio, uma guinada nas atuais diretrizes, o governo talvez ganhasse alguns dividendos políticos com a substituição de Meirelles, cuja imagem vem sendo desgastada pelas críticas generalizadas ao excessivo aperto monetário e pelo noticiário acerca de seus alegados problemas com a Receita Federal.
Consta que o próprio afastamento de Marcos Lisboa se deveu, em parte, a divergências sobre a política de juros, que, na visão do ex-secretário, estaria onerando -como de fato está- a política fiscal. Juros mais altos elevam o endividamento público e induzem à queda do crescimento, criando dificuldades para diminuir a relação entre o montante da dívida e o PIB, um indicador considerado fundamental por Lisboa para melhorar a percepção de risco do Brasil.
Tanto melhor para os planos de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva se uma eventual saída de Meirelles coincidir com um momento de reversão da trajetória da taxa de juros nas proximidades do ano eleitoral. E é exatamente isso o que estaria sendo urdido, segundo noticiou esta Folha na sexta-feira. Palocci teria apresentado a Lula a avaliação de que é melhor atuar com mais cautela neste momento -e contar com a perspectiva de começar a reduzir os juros no final do ano- do que correr o risco de o BC se ver compelido a adotar medidas mais duras em 2006.
Essa perspectiva de aproveitamento do ciclo econômico com vistas a auxiliar a reeleição não é uma novidade, e já foi analisada mais de uma vez neste espaço. Ainda que nem sempre o ritmo da economia se mostre em condições de favorecer a dinâmica eleitoral, seria ingenuidade acreditar que a administração econômica é impermeável aos interesses políticos com os quais, afinal, comunga o próprio ministro.
Lamentavelmente, o que até aqui não se tem observado são esforços no sentido de formular opções viáveis ao atual modelo de gestão da economia brasileira. Embora em sua primeira entrevista coletiva o presidente Lula tenha afirmado que uma de suas decepções nesses 28 meses de mandato resida no fato de seu governo ter se mostrado incapaz de encontrar alternativas para combater a inflação que não sejam elevar a taxa de juros, não há nenhum sinal, ao menos por ora, de que essa frustração esteja por ser reparada.
FOLHA DE S.PAULO EDITORIAIS
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