quarta-feira, junho 01, 2005
Miriam Leitão:Não é a economia
A economia brasileira vai bem e poderá passar pela turbulência de uma CPI. Desta vez, não há crise externa, corrida contra a moeda, reformas importantes sendo votadas no Congresso; os biombos nos quais os governos sempre quiseram se esconder de CPI. Pelo contrário: o remédio institucional mais efetivo será mostrar que os responsáveis por abusos serão punidos. A economia nunca deve ser impedimento a que se apurem os fatos obscuros. Muito menos agora, quando está bem.
Do que vimos de CPIs passadas, elas podem servir, sim, de palanque eleitoral e exageros. O PT conhece bem a fórmula pela qual uma necessária investigação vira um palanque. Mas, no fim, o que fica é o que tem consistência. O histrionismo é espuma, faz impacto na hora, depois se desfaz. Os fatos que vimos relatados nos jornais e revistas dos últimos dias são absurdos intoleráveis. O risco que o país correria era a sensação do cidadão de que tudo fica por isso mesmo no país da pizza.
Na economia, o Brasil teve ontem uma boa notícia: a inflação medida pelo IGP-M caiu para o negativo. Foi deflação de 0,22%. Isso aumenta a esperança de que a torturante onda de aperto monetário tenha chegado ao fim. Foram nove meses de alta de juros, que elevaram a taxa quase quatro pontos percentuais; uma enormidade para padrões internacionais.
Hoje vai ser divulgado o PIB do primeiro trimestre. Em geral, o mercado acredita que será um crescimento pequeno; uns estão mais, outros estão menos otimistas. O professor Luiz Roberto Cunha, da PUC, acredita que deve ficar em 0,5%, ou um pouco menos, o crescimento dessazonalizado. No quarto trimestre, o crescimento foi de 0,4% contra trimestre anterior, mostrando redução do ritmo em relação ao melhor momento do ano passado. Agora ficaria de novo nesta faixa. Isso ainda é compatível com um crescimento entre 3% e 3,5% no ano.
— O número a ser observado é o do investimento. Acredito que pode haver queda do investimento de 2%. Em parte, porque a quebra da safra reduziu o investimento em máquinas agrícolas, mas em parte porque está havendo uma redução do investimento de forma geral — diz o professor.
O economista Roberto Padovani, da Tendências, também acredita em algo semelhante:
— Nossa previsão para o PIB dessazonalizado é de 0,4%; o que dá 3,6% no trimestre contra o mesmo trimestre de 2004 e 1,6% anualizado. É impressionante como o dado trimestral anualizado vem perdendo força. Uma das razões é que acabou o impulso da queda de dez pontos percentuais nos juros que houve entre 2003 e 2004. A grande dúvida que divide os economistas é quanto ao investimento, que vem caindo nos últimos dois trimestres. Aqui na Tendências, nós achamos que a renda fará com que ele reaja.
Os dados de amanhã serão olhados em minúcias e há divergências entre economistas sobre o ritmo com que a economia está andando. Luiz Roberto acha que, se o investimento continuar caindo, pode ser sinal de dosagem forte demais nos juros:
— O Banco Central repetiu novamente na ata de maio que ficou surpreso com as vendas de duráveis. O que todos têm dito é que a expansão do crédito está tornando menos efetiva a política monetária, e ela pode estar afetando apenas o investimento — afirma.
Segundo o professor, os dados mostram é que os problemas da economia estão na economia; e não na política.
A maioria dos analistas acha que os números mostrarão que não há risco de que o nível de atividade excessivamente forte exija novas altas de juros. Portanto, apesar do que trouxe a última ata do Copom, os juros deverão ficar estáveis em junho. A impressão será confirmada se os índices ao consumidor começarem a mostrar a mesma queda já registrada nos índices do atacado. O que pode acontecer no IPCA de maio, que será divulgado dia 10 de junho.
Ontem o país mostrou um impressionante superávit primário em abril, de R$ 16,335 bilhões, derrubando um pouco mais a relação dívida/PIB para 50%. O Brasil cresce diminuindo o ritmo excessivo que tanto preocupava o BC; a inflação está cedendo; o dólar está baixíssimo e isso começa a se refletir nos índices de inflação. Ou seja, vai tudo bem na economia. O espantoso, como sempre, é o fato de o governo com tal conjuntura econômica produzir um tsunami político em que a onda se eleva semana após semana.
A política não faz economia nos problemas. O governo erra, erra e depois, cansado de tanto errar, erra de novo na condução da sua relação com o Congresso, nas suas indicações políticas para cargos nevrálgicos da administração pública e, assim, vai dilapidando seu capital de forma devastadora.
O que a população tem deixado claro de todas as formas é que não tolerará mais episódios como esse do ex-chefe do Departamento de Administração e Contratação dos Correios, Maurício Marinho. Na reportagem publicada no GLOBO no fim de semana, o repórter Francisco Leali mostrou que Marinho tentou fraudar compra de sapato. O caso é exemplar porque o que se vê é um funcionário do governo organizando um cartel de fornecedores, conspirando contra os cofres públicos e aumentando os lucros da empresa privada. Mesmo se não houver qualquer comissão, aquilo lá já é crime suficiente. Exige uma boa apuração.
o globo
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