Por essa ótica, condutora de todas as ações governamentais, a idéia do senador Eduardo Suplicy de anunciar, às lágrimas, da tribuna do Senado que assinaria o requerimento de apoio à CPI mesmo à custa da legenda para tentar renovar seu mandato em 2006, foi um tiro de canhão.
Adepta dos gestos teatrais, a cúpula petista/governista não pode reclamar. Contra amigos (inclusive Suplicy) e inimigos, usa e abusa do manejo de emoções e por isso mesmo deu-se tão bem com o jeito Duda Mendonça de conquistar eleitores.
O PT deu-se mal em campanhas presidenciais anteriores e, de dois anos e meio para cá, no Governo, sempre que pretendeu acreditar mais em seus atributos políticos do que em suas habilidades de despertar e alimentar sentimentos positivos na opinião pública.
Se quiser virar esse jogo, vai precisar mudar de rumo: de joelhos dobrados e braços dados com Roberto Jefferson, dando a Anthony Garotinho a chance de tripudiar sobre suas aflições, o Governo não chegará a lugar algum. No máximo, conseguirá dilapidar de vez – e sem possibilidade de retorno – seu patrimônio ético.
Foi exatamente isso que Suplicy, outros tantos senadores que passaram a semana diante das câmeras de TV Senado prestando contas ao eleitorado em defesa da investigação política e mais os deputados petistas que mantiveram suas assinaturas até o fim perceberam. Movimentaram-se para fora de uma canoa furada.
Se vão conseguir, é outra história. Mas estão tentando bravamente escapar do naufrágio moral que o Governo vem produzindo para si e não é de hoje.
Todo mundo sabe, o processo de dilapidação não começou com o caso da corrupção nos Correios.
O episódio, ao contrário, deu ao Palácio do Planalto várias chances para se redimir. Se não queria a investigação no Congresso, muito bem, fizesse então movimentos competentes para esvaziar a CPI – por exemplo, tomando desde o início da oposição essa bandeira – e não para tentar impedi-la na forma bruta e a golpes de ironia, prepotência, desvarios históricos, fisiologismo explícito, ameaças vãs.
Estas, pobres coitadas, soam patéticas em regimes democráticos. Neles, as instituições e a sociedade reagem de imediato, deixando seus autores isolados na ilusão de que podem mais do que realmente podem.
Anuncia-se nas versões "de bastidor" disseminadas a partir do Planalto que na volta da viagem à Ásia o presidente Luiz Inácio da Silva vai promover um "choque moral" na sua administração, reformar o ministério, demitir quem lhe macula a imagem, "requalificar" a base de apoio parlamentar, dar um basta na pressão, tratar a ferro e fogo os infiéis, recomeçar, enfim.
A menos que aqui no Brasil os auxiliares do presidente da República estejam desobedecendo às suas orientações, como crer na veracidade dessa disposição à mudança se os atos desmentem o discurso?
De nenhum líder no Congresso ou ministro se ouviu palavra no sentido de reconhecer o equívoco de tentar barrar a CPI distribuindo benesses oficiais, ameaçando acabar com o "pão-de-ló" dos aliados, semeando a instabilidade institucional.
Ao contrário, o que se viu na madrugada de ontem foram governistas se queixando da "falta de tempo" para comprar a retirada de mais assinaturas.
O que se viu e ouviu foram governistas anunciando o recurso a "todas as manobras regimentais" para postergar a instalação da CPI: contestação da existência de fato determinado e retirada do quorum das sessões, da mesma forma como o Governo vem obstruindo votações na Câmara porque discorda da pauta.
O que se viu e ouviu foram declarações de extermínio aos infiéis, ameaças de punições severas a petistas velhos de guerra, gente forjada na luta dos tempos adversos, cuja propositura agora é a de manutenção da fidelidade aos preceitos do partido.
Nesse diapasão, o Governo caminha célere para engrossar as fileiras de uma candidatura presidencial alternativa à reeleição de Lula, aos planos de Anthony Garotinho, aos projetos de retorno do PSDB, todos cenários previsíveis. Tal hipótese, dirá o leitor, é improvável, não se vislumbra no horizonte.
Mas a política não se move como se movem as nuvens, ao sabor do vento?
Pois aí é que está: nada é seguro, tudo se movimenta em função dos acontecimentos (os ventos) e da maneira como são percebidos pela sociedade e a ela comunicados.
É nessa batalha da comunicação e suas circunstâncias que o Governo perde terreno. Não dá mostras de conhecer o rumo da recuperação e prossegue cego e surdo à evidência de que em 2002 saiu-se dela vitorioso primeiro para só então ir buscar a glória nas urnas.
o dia
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