Os senadores cobraram duramente de Eduardo Suplicy o rompimento do acordo pela não-assinatura do requerimento e, irritados, acusaram-no de ter feito um gesto meramente teatral, referido no oportunismo de surfar na onda a favor do vento soprado pela opinião pública.
O líder do PT, senador Delcídio Amaral, inflamado, deu tom de denúncia ao fato de o senador Suplicy ter faltado ao compromisso com "o partido e com o Governo," tendo, assim, na visão do líder, dado mostras de que não sabe fazer política. Para Delcídio, Suplicy mais à frente refletirá e verá o quanto errou.
O debate da tarde de ontem no Senado vai além de mais uma irrefletida manifestação do PT na sua incessante busca pelo culpado em lado errado.
Ainda que involuntariamente, os petistas traduziram em gestos e palavras uma situação que, mais cedo, a deputada Denise Frossard (PPS-RJ) havia exposto por escrito numa reflexão a respeito do fato de políticos e governantes darem mais importância aos acertos que fazem entre si que ao compromisso firmado nas urnas com o eleitor.
"Por que cargas d'água os que chegam aos governos são levados a acreditar que lá chegaram por conta das composições políticas ou acordos de gaveta?", pergunta ela, juíza aposentada, responsável anos atrás pela prisão daqueles banqueiros de jogo do bicho que durante anos transitaram impunes e reverenciados pela sociedade (não raro entre a "alta") do Rio de Janeiro.
Deputada de primeiro mandato, eleita com mais de 300 mil votos, Denise Frossard olha para a forma como o Governo se bate contra a CPI, protegendo gente supostamente envolvida com corrupção, e constata: "Para mim, essa irracionalidade toda é coisa nova e deve ser estranha também para toda a gente do povo".
A perplexidade da deputada diz respeito à indiferença que governos reservam à opinião de quem os fez governos. "O voto os levou lá e até mesmo alianças, para serem legítimas, precisam estar em sintonia com o voto".
As ponderações de Denise Frossard parecem ter sido feitas à imagem e semelhança do ocorrido na tarde de ontem no Senado, onde um PT constrangido por não ter assinado o requerimento da CPI revoltava-se contra o senador Eduardo Suplicy, que resolveu assinar exatamente alegando compromisso com seu eleitorado.
Na concepção de seus pares, ao dar de costas para o partido e o Governo, Suplicy fez marketing, pensou só em si e deixou constrangidos todos os outros, cuja posição – tida como "honrada" – os fez contrariar as próprias convicções, mantendo-os surdos em relação às mensagens de eleitores pedindo seus apoios à CPI.
Ou seja, pela lógica dos injuriados colegas de Suplicy, o eleitorado não vale coisa alguma frente as conveniências do Governo e as necessidades do partido. Vangloriaram-se até disso.
Bom, bonito, altivo e confiável é o parlamentar que manda às favas os apelos do seu eleitorado e adiante, na véspera da eleição, pede de novo a ele votos para mais um período de representação no Legislativo com direito a todas as honras e prerrogativas conferidas a donos de delegação popular.
E desse quadro salta a dúvida: delegação para representar mesmo quem?
As cobranças feitas a Suplicy à primeira vista pareciam completamente insensatas, tal a inversão de valores nelas contidas. Mais, longe de traduzirem insensatez, demonstravam sintoma mais grave: a auto-referência da política, o distanciamento dos representantes de seus representados.
Muito distantes de seus eleitores estavam aqueles senadores que acusavam Suplicy de crime de lesa-bancada. Sequer conseguiram perceber a barbaridade do que estavam defendendo da tribuna de uma casa de representação popular.
Um após o outro, em tom solene, admoestavam o senador por ter traído a confiança de seus "companheiros e amigos", sim, foi assim que o líder Delcídio Amaral nominou a quem um senador da República deve obrigações de confiança: aos amigos e aos companheiros.
É de se perguntar: e aos eleitores, nada?
Mas talvez quem sabe a ira dos "amigos e companheiros" contra Suplicy tenha sido provocada exatamente porque, ao privilegiar a razão do mandato – a representação externa – em detrimento da motivação dos acordos – as circunstâncias internas –, o senador os exibiu de costas inteiras para a sociedade.
Suplicy atendeu aos apelos dos que o levaram ao Senado e podem não levá-lo de novo para lá caso não se conduza de forma a se credenciar de novo a lhes pedir o voto.
Nada fez nada demais a não ser aplicar a lógica da delegação e pôr em prática teoria bastante difundida em debates sobre a reforma política.
Afinal, vivemos citando os eleitores norte-americanos, ou de países onde existe o voto distrital, como exemplos de fiscalização intensa da atuação dos parlamentares e quando alguém aqui resolve dar satisfação ao eleitor, é considerado indigno de confiança.
o dia
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