O Lula metalúrgico modernizou o movimento sindical. O Lula político chegou ao Palácio do Planalto à frente de um movimento popular. O presidente Lula acaba de ser seduzido pelo movimento dos quadris, cuja força lhe parece suficiente para materializar milagres. Por exemplo, erradicar as piores pragas da economia, começando pelos juros que flutuam na estratosfera.
Nenhuma demasia. Lula acha que ninguém segura este país se milhões de endividados renunciarem ao comodismo, levantarem os traseiros e saírem à caça de bancos mais clementes. Precisam transferir a conta para instituições menos vorazes com quem toma empréstimos ou estoura o cheque especial.
Como se houvesse diferenças notáveis entre os bancos. Como se a taxa básica de juros, a mais alta do planeta, não fosse fixada pelo Banco Central. Como se o Banco do Brasil não cobrasse taxas igualmente obscenas. Como se a culpa não fosse do governo.
Esculpida pelo próprio Lula, a Teoria dos Traseiros conduziu ao corolário previsível. Multidões de devedores não gostaram de saber que, apesar de vítimas, haviam sido escalados por Lula para o papel de culpados. Muito menos de ouvir que só lhes falta dinheiro porque sobra preguiça. Fiquem mais tempo de pé, ordenara o chefe de governo. Fique mais tempo sentado, replicou o coro dos indignados. Sentado na cadeira presidencial, trabalhando mais e falando menos.
Em 28 meses de mandato, Lula não chegou a ficar 500 dias em Brasília. Não necessariamente no Planalto: a contagem inclui os fins de semana, reservados ao descanso do guerreiro. Os restantes foram consumidos em viagens pelo Brasil e excursões ao exterior. Aparentemente, Lula julga possível governar o Brasil à distância do local de trabalho. Para mandar recados, solta improvisos (de pé). Em vez de audiências individuais com ministros ou despachos com assessores, promove reuniões circunscritas ao grupo dos altíssimos companheiros.
Pendências à espera de soluções atulham gavetas da mesa presidencial. Adversários do presidente dizem que Lula trabalha pouco. O que se pode afirmar é que trabalha mal.
A constatação foi escancarada na Folha de S.Paulo pelo professor de História Marco Antônio Villa. Pesquisador minucioso, examinou a agenda de Lula. Fez descobertas desoladoras.
Uma delas demonstra que o presidente não se interessa por assuntos administrativos, é avesso a estudar detidamente os grandes e graves problemas nacionais. ''A agenda de trabalho é pobre, desconexa e, em vários dias, quase totalmente vazia'', conferiu Villa. Em 6 de janeiro de 2004, por exemplo, foram recebidos no gabinete dois presidentes: o da fábrica de pneus Michelin e o do Flamengo. Em outros dias úteis, ninguém.
Para ministros, despachar a sós com o chefe é um privilégio, a materialização do sonho longamente perseguido. Em 2003, Ciro Gomes, ministro da Integração Nacional, não conseguiu nenhuma audiência. A graça foi alcançada em fevereiro de 2004. A exemplo da antecessora Emília Fernandes, a ministra Nilcéa Freire, da Secretaria da Mulher, mereceu um encontro. Com duas conversas, a dupla feminina empatou com Zeca Pagodinho. O artista logo retomará as visitas ao amigo Lula. Só não tem aparecido no Planalto por andar muito ocupado.
Trapalhões vão à luta por ''Lucho''
Existe a ONU, existe a OEA, existe a entidade encarregada de lidar especificamente com turbulências tão rotineiras na América do Sul. Uma delas poderia cuidar da crise no Equador. Mas o Brasil sempre foi um país com pressa, o governo petista sonha com o papel de bondoso gendarme do subcontinente.
O presidente Lucio Gutiérrez já despencava da cobertura do palácio em Quito quando altos companheiros instalados no Planalto e no Itamaraty ainda planejavam a montagem de um ''grupo de amigos do Equador''. Em janeiro de 2003, o ''grupo de amigos da Venezuela'', liderado pelo Brasil, ajudara Hugo Chávez a manter-se no poder. Por que não repetir a dose?
Faltou tempo. Rápido no gatilho, o povo equatoriano ordenou ao Congresso que arranjasse uma saída. Os parlamentares destituíram Gutiérrez por ter abandonado o país.
Ele nem saíra de casa. Informado da decisão, tratou de fazê-lo às pressas, para pedir asilo aos amigos. O primeiro refúgio que lhe ocorreu foi a casa do embaixador brasileiro.
Os equatorianos deduziram que o presidente Lula resolvera proteger o companheiro ''Lucho''. Não gostaram desse capítulo: aos berros, a multidão cercou a residência.
Gutiérrez e parentes tentavam camuflar o medo. O dono da casa também, sobretudo ao perceber que a turba preparava a invasão. A coisa ficou feia. Ficaria ainda pior com a entrada em cena dos grandes canastrões do elenco.
O chanceler oficioso Samuel Guimarães não descansou até manifestar seu profundo descontentamento, por telefone, a um interlocutor à espera de identificação. Pode ter sido um dos novos caciques. Pode ter sido a telefonista do palácio.
O chanceler oficial Celso Amorim declarou inconstitucional a queda do aliado. Os trapalhões só sossegaram com o resgate de ''Lucho'' pela FAB. Melhor fariam se só formassem grupos de amigos de um bairro. Ou museu.
Ministro dos índios subestimou dissidentes
A homologação da reserva indígena Raposa Serra do Sol fez o ministro Márcio Thomaz Bastos trocar a placidez que lembra um bispo em recesso pelo sorriso de um mestre de bateria. Demarcado o mundão de terras, avisou que o governo cuidaria de conter a cobiça dos plantadores de arroz. Para tanto, enviaria à região dezenas de agentes da Polícia Federal e, se preciso, tropas do Exército. Os índios já não precisavam temer os brancos.
Pouco familiarizado com certas singularidades do lugar, não sabia que a decisão do governo causara ondas de ira em muitas malocas, habitadas por inimigos da demarcação. Os agressivos macuxis defendem a expansão do cultivo de arroz. Agricultores brancos bloquearam a estrada principal. Macuxis seqüestraram quatro agentes da PF. Os caciques da Funai confabulam. Os índios que aplaudiram o ministro se mantêm em prudente silêncio.
Visitas ao absurdo
O senador Marcelo Crivella comandou um grupo de forasteiros influentes na incursão por Queimados. Na escala mais relevante do roteiro, pretendiam examinar, ao vivo e de perto, o hospital fantasma que o governo federal esqueceu meses depois de iniciadas as obras. Vistoriado o esqueleto, Crivella promete brigar pela ressurreição. É um começo. Tomara que dê certo, e não só em Queimados.
Estão à espera de visitas ilustres e providências urgentes os hospitais do Rio dizimados pela guerra entre Humberto Costa e Cesar Maia. Faltam remédios, faltam médicos, falta misericórdia. Sobretudo, falta vergonha. O ministro descansa em Brasília. O prefeito circula pelo país. Os pacientes aguardam na fila o socorro que não virá.
Sai capital, entra o país
Ao deixar a Secretaria de Política Econômica, Marcos Lisboa desencadeou uma seqüência de mudanças que terminou com Murilo Portugal instalado no posto de principal assessor do ministro Antonio Palocci. Secretário do Tesouro durante o governo Fernando Henrique, representante do Brasil no FMI, o novo número 2 da equipe econômica foi um dos nomes cogitados para a presidência do Banco Central na fase de montagem do novo governo.
No campo das idéias, Portugal é parecido com Henrique Meirelles. Mas ao presidente do BC é pouco estimulante a sensação de ter por perto quem poderia estar no seu cargo. Só na quinta-feira Lula foi apresentado por Palocci ao prato feito: Lisboa saíra, Portugal chegara. Deve ter gostado: país é maior que capital.
Pedir socorro à polícia pode ser um perigo
Nos Estados Unidos, o programa de proteção a testemunhas, monitorado pelo FBI e financiado sem sovinice pelo governo americano, exerce efeitos tranqüilizantes sobre os mais assustados acusadores de réus ultraperigosos. Convencida a depor, a testemunha é inscrita no programa e virtualmente desaparece da face da terra. Pouquíssimos inscritos foram alcançados por emissários da morte.
No Brasil, o Programa de Proteção a Testemunhas, criado em 1996, subordinado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, inspira menos confiança. Nenhum dos brasileiros que ousaram identificar os autores da Chacina da Baixada se alistou no programa. Faz sentido.
Nos EUA, agentes morrem para proteger testemunhas. No Brasil, policiais podem matá-las para proteger-se.
Jucá merece um Ministério das Fazendas
Romero Jucá foi ministro da Previdência por um dia. No segundo, já estava no olho do furacão feito de denúncias e suspeitas. Nomeado para uma pasta grávida de problemas, tornou-se um deles. No momento, é o mais complicado.
Se for culpado, não pode ficar no cargo. Se for inocente - alega que se meteu em confusões por ter confiado em amigos malandros - também deve sair: como confiar em equipes formadas por quem não consegue escolher nem amigos?
O ministro não é homem de renunciar. Lula não sabe demitir. Configurado o impasse, que tal criar um Ministério das Fazendas para Jucá? Fiador de um empréstimo bancário de bom tamanho, deu em garantia sete fazendas inexistentes. Sem nada gastar, saberá inventar latifúndios suficientes para o grande programa: ''Fazenda para Todos''.
JB
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