sexta-feira, abril 01, 2005

Primeira Leitura

Retórica do antiimperialismo caipira levou pedrada na testa
Na semana em que o PT pretendia brincar de antiamericanismo, com elogios rasgados de Lula a Hugo Chávez e proselitismo boboca por causa da não-renovação do acordo com o FMI, os ameaçados pelo confisco estragaram a festa

Por Reinaldo Azevedo

Reprodução
DAVI E GOLIAS: bem, a imagem, com movimento, fala por si mesma, não é?

Não se duvide da inequívoca vitória da sociedade, das oposições e do Congresso no episódio da derrota da MP 232, como bem destacaram o líder e o vice-líder do PSDB na Câmara, respectivamente, Alberto Goldman (SP) e Eduardo Paes (RJ). Vitória, sem dúvida, difícil. Uma dificuldade de que o desfecho, vexaminoso para o governo, não dá conta. Ela teve de ser duramente construída, atravessando todas as vagas da mistificação, da mentira às vezes, da desqualificação freqüentemente.

Quem sabe ler certa imprensa percebeu depressa a máquina de moer reputações especialmente mobilizada contra, por exemplo, Severino Cavalcanti (PP-PE), presidente da Câmara. Personagem sem dúvida polêmico, caudatário de alguns maus costumes da vida pública, tentou-se misturar a sua biografia à luta contra a MP do confisco, como se opor-se à derrama implicasse endossar algumas teses condenáveis do deputado pernambucano.

Mais ainda: foi preciso vencer o rasteiro discurso do PT do arranca-rabo de classes (que, de "luta de classes" mesmo, os petistas nada entendem porque têm preguiça de ler). O ministro Antonio Palocci sustentava e sustenta até agora que se tratava de fazer "justiça tributária", quando, de fato, tratava-se de punir os setores da sociedade que não se deixam encabrestar por seu partido. Foi preciso resistir à velha tática de dividir para triunfar quando se tentou distinguir empresas prestadoras de serviço de profissionais liberais e trabalhadores tornados pessoas jurídicas. As oposições e os setores que se organizaram contra a derrama foram, enfim, impecáveis ao não se deixar seduzir.

Mas há outro aspecto fundamental a ser observado. E quem chamou a minha atenção para tal fato foi o já citado deputado Eduardo Paes. Esta era a semana que o PT havia reservado ao proselitismo antiimperialista, ação iniciada com a gigantesca operação de marketing montada para anunciar, na segunda, a não-renovação do acordo com o FMI e que teve curso, na terça, com o absurdo discurso de Lula em defesa do quase-ditador Hugo Chávez. Até o ministro Luiz Fernando Furlan colaborou para o clima ao reagir, ofendido, à constatação dos EUA de que o Brasil respeita pouco a propriedade intelectual, o que é verdade. Acusou os americanos de protecionistas. Parecia altivez. Era só um discurso fora do lugar.

O caldo de cultura, acrescento, seria útil também para o PT tentar (re)unir os fiéis algo dispersos nesta estranha diáspora. Era a chance de José Genoino acalmar os rebeldes com uma agenda antiamericana. Afinal, os que deixam o partido quase nunca reclamam de democracia de menos: na verdade, cobram é autoritarismo a mais. Vale dizer: esse PT do núcleo duro é o limite possível da civilidade. Pois bem: deu tudo errado. A farra antiimperialista levou uma pedrada no meio da testa. Os bolivarianos, parece, estavam satisfeitíssimos com o governo Lula. Mas boa parte dos brasileiros nem tanto.

Prejuízo adicional para o Planalto
Há um óbvio prejuízo adicional para o governo nisso tudo. Queiram ou não Lula, José Dirceu e Antonio Palocci, as oposições, em especial o PSDB, faturaram com o que chamamos, nesta edição, "desventuras em série" do Planalto. De algum modo, os tucanos e, no caso, também os pefelistas, refazem nexos com as classes médias urbanas, onde os primeiros são bastante influentes e onde os outros começam a pescar adesões.

O erro do governo, diga-se, neste caso da MP 232, derivou de uma falha de percepção ditada por certa ortodoxia esquerdista (embora, curiosamente, a medida provisória buscasse sustentar outra ortodoxia, que de esquerda não tem nada): o PT apostou que o movimento social anti-MP se restringiria a uma gritaria da classe média e a esse grupo se restringiria. Tanto apostou que resolveu opor os interesses dos "trabalhadores" aos daqueles que tentou tachar e taxar como meros sonegadores. Quebrou a cara. É tão devastador o peso da carga tributária no país, que qualquer brasileiro, mesmo pobre, conhece o seu peso.

A operação não funcionou; a repulsa aos impostos ganhou a sociedade, mas serviu também para deixar claro a setores influentes da classe média, os chamados formadores de opinião, quais são as forças políticas com as quais podem e devem contar. Quero eu dizer com isso que, então, chegamos à clivagem que faz do PT o partido dos pobres e do PSDB e do PFL os partidos das classes mais abastadas? Bobagem! Os setores militantes da esquerda são os primeiros a apontar a farsa (re)distributivista do governo Lula. Palocci quer mais impostos para manter a sua política macroeconômica e para sustentar o crescente gasto com a máquina, em detrimento de sua eficiência. Não sou de esquerda. Mas duvido que algum esquerdista sério reconheça o "caráter social" do governo Lula.

Tudo indica que, com método e eficiência, as oposições podem arranhar também essa imagem, consolidada a despeito dos fatos, se conseguirem atuar com a eficiência demonstrada no caso da MP. É por isso que o Planalto está à caça do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, ou do prefeito do Rio, Cesar Maia (leia nesta edição). Lá na minha Dois Córregos (SP) natal, pequena, mas valente, costuma-se dizer que "o lobo perde o pêlo, mas não perde o vício".

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