Aparentemente , o Banco Central rendeu-se aos fatos da vida e abandonou sua meta central para a inflação de 2005. Essa é a interpretação dominante no mercado financeiro depois da divulgação do relatório trimestral sobre a inflação no Brasil. Ao mudar sua atenção para a inflação em 2006, a direção de nossa autoridade monetária deixa de lado sua meta inatingível de 5,1% em 2005.
Nesta coluna, já manifestei, por várias vezes, minha convicção de que esse era um sonho de uma noite de verão. Qualquer mortal, devidamente informado sobre a dinâmica dos preços na economia brasileira de hoje, sabia que seria praticamente impossível chegar a esse número em um ano marcado por uma correção monetária -que afeta mais de um terço dos preços ao consumo- superior a 12%. Era apenas uma questão de aritmética elementar a conclusão da inviabilidade do compromisso assumido pelo Copom.
Mas a ilusão vendida por um modelo estatístico de qualidade discutível e a sisudez dos diretores do BC levaram um grupo de analistas a acreditar nesse número mágico. Ou, pelo menos, a fingir que acreditavam. Depois da divulgação do relatório de inflação, várias instituições financeiras, que reportam suas estimativas ao BC, revisaram suas estimativas para números da ordem de 6,20% para o aumento do IPCA em 2005. Agora, estamos falando da vida real. Embora as cotações internacionais do petróleo ainda não permitam uma avaliação definitiva da inflação esse ano, algo próximo a um intervalo entre 6,20% e 6,40% me parece correto.
Essa volta ao mundo real possibilita, ao analista, duas leituras sobre o comportamento do BC em sua responsabilidade institucional de zelar pela estabilidade de preços em nosso país.
A primeira, que eu não subscrevo, é que por mais um ano nossa autoridade monetária falhou em sua ação e perdeu mais pontos em termos da tão necessária credibilidade perante os agentes econômicos; a segunda, que me parece a correta, é que o BC teve sucesso em sua missão de trazer a inflação para um nível adequado, apesar dos choques de preços das commodities no ano passado.
Esse sucesso fica ainda mais claro quando consideramos o crescimento de 5,2% do PIB, em 2004, e a possibilidade concreta de uma inflação de 5% no ano próximo. Afinal, pelo menos para mim, é esse binômio -crescimento e inflação- que deve ser usado para avaliar o sucesso ou não da política monetária de um país. Países como o México e o Chile, para ficar apenas com alguns queridinhos dos mercados, levaram vários anos para trazer a inflação para baixo de 5% ao ano. Esse movimento mais lento e sem o custo de uma queda forte do nível de atividade é o caminho correto para uma estabilização perene dos preços de uma economia de mercado como a brasileira.
Mas gostaria, também, de refletir sobre a informação, que está em nossos jornais, de que o PT pretende realizar um congresso nacional para atualizar seu programa de ação, em razão das mudanças radicais que ocorreram desde que assumiu o poder, com Lula. Peças fundamentais da retórica petista dos anos de oposição, como renegar a dívida externa, defender juros baixos para estimular o crescimento econômico e prioridade nos gastos sociais sem compromissos com a responsabilidade fiscal, seriam substituídas por outros valores. O respeito aos contratos, o compromisso com o equilíbrio fiscal, a importância das exportações e da abertura da economia ao mundo global que nos cerca seriam, entre outros, inseridos no programa do partido da estrela vermelha.
Com isso, a Carta ao Povo Brasileiro, compromisso que o candidato Lula assumiu quando das eleições de 2002, seria inserida no programa oficial do partido. Esse ato, se realizado, aproximaria definitivamente o PT dos partidos sociais-democratas europeus, apesar de realizado após as eleições que o levaram ao poder. E daria uma extraordinária estabilidade ao quadro político brasileiro, na medida em que retiraria de cena um partido contestador da ordem econômica estabelecida.
Como diz um político amigo meu, "a proximidade das eleições faz milagres nos partidos políticos". O PT sabe que não pode enfrentar as eleições do ano próximo com essa contradição básica entre seu programa e a Carta ao Povo Brasileiro. Os riscos seriam enormes e poderiam ser explorados, com sucesso, pelo PSDB e pelo PFL. Entre o risco de perder o centro -que, pela primeira vez em décadas, resolveu votar em Lula- e a certeza de ver a esquerda bandear para outro partido, a direção pragmática do PT parece ter optado pela primeira possibilidade.
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