quarta-feira, abril 27, 2005

O dogma de são Copom- PAULO RABELLO DE CASTRO


Confesso que tenho passado vergonha por onde ando, expondo minha pouca habilidade de explicar o inexplicável.
Aconteceu de novo na semana passada, quando enfrentei uma platéia atenta e inteligente no 4º Agrishow do Cerrado, em Rondonópolis, Mato Grosso. Apesar do calor de quase 40C à sombra e do barulho constante dos potentes ventiladores rugindo e espalhando névoa úmida por cima das cabeças do palestrante e palestrados, nenhum outro inconveniente impediu as manifestações de entendimento e, por causa disso, de raiva e quase revolta contra as catastróficas implicações da política de "estabilização" baseada nos mais altos juros do mundo, não só cobrando pedágio do agronegócio, via apreciação do câmbio, como também reduzindo o tamanho do mercado interno, estagnado há vários anos.
Havia sido mostrado àqueles homens e mulheres afeitos às exigências de uma vida de fronteira que a agricultura de um Estado de imenso potencial, como é Mato Grosso, não tem no Brasil uma plataforma amigável do ponto de vista financeiro, tributário, muito menos, logístico e infra-estrutural, menos ainda. O "custo Brasil", imposto a Mato Grosso, é estupidamente elevado, servindo o mesmo raciocínio para quase todas as demais regiões do país agropecuário.
Ninguém precisou falar do risco e do pânico de trafegar contra uma longa linha de carretas bitrens, ziguezagueando como lagartixas bêbadas à volta dos buracos e crateras das estradas federais... Bastou lembrar que o câmbio brasileiro ficou 14% mais caro que o peso chileno ou argentino desde junho de 2004 (tudo em relação ao dólar americano), enquanto o real encareceu quase 40% sobre o peso mexicano, a partir do final de 2002, ou 27% sobre o dólar de Cingapura e 19% sobre o bath tailandês. Nossos concorrentes ficaram mais competitivos. Do agricultor brasileiro se suprime renda, enquanto sua infra-estrutura se arruína.
A vergonha do palestrante -que, não sendo governo, deveria, no entanto, tentar explicar os porquês e os comos das más políticas públicas- ficou pior quando as perguntas angustiadas se endereçaram à questão dos juros, que o Banco Central acabara de elevar, aos píncaros de 19,5%. Esses juros, todos sabemos, são responsáveis pela manipulação baixista do câmbio e do reduzido crescimento da demanda interna, duas maneiras pouco inteligentes, mas certamente eficazes, de puxar a inflação para dentro do estreito brete de variação máxima admitida por são Copom.
Nesses tempos de renovada infalibilidade papal, encontrei, em Rondonópolis, brasileiros e brasileiras (muitas mulheres na platéia, anotando e perguntando) totalmente agnósticos em relação ao dogma de são Copom, segundo o qual o país produtivo deve "penar" o açoite dos juros mais altos do mundo se quiser expurgar o pecado da inflação e, um dia, ganhar o céu do crescimento econômico na faixa de 3,5% (o mundo tem crescido mais de 4%, nos últimos sete anos, sem ter de pagar a expiação de são Copom).
Voltei, no dia seguinte, lendo na Folha que o Brasil de fino trato e de temperatura climatizada, sem manchas de sol na cara, nem câncer de pele no rosto curtido, também começa a admitir que é hora de mudar de santo -ou então mudar de milagre.
Dependendo do cenário mundial dos próximos meses, são Copom corre sério risco de perder sua aura da infalibilidade. Se o dólar vier a estressar o real, não terei mais de passar vergonha por causa de são Copom, diante de pagãos inflacionistas e agnósticos impacientes. Estaremos todos ecumenicamente irmanados pelo mesmo sentimento de perplexidade e abandono que, volta e meia, nos tem dominado, por um quarto de século, nesse Brasilzão de muitos ilusionismos e muito pouca realização.

folha de s.paulo

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