sábado, abril 30, 2005

CLÓVIS ROSSI :Distante e morno

SÃO PAULO - É bom deixar claro que gosto de Luiz Inácio Lula da Silva, a pessoa física. Do presidente, o leitor sabe o que penso.
É por isso que dá mais tristeza do que raiva vê-lo exposto ao público sem a alma, como aconteceu, mais uma vez, na entrevista coletiva de ontem, a primeira quase ampla, geral e irrestrita que concede (sem direito a réplica e eventualmente tréplica, toda entrevista vira monólogo).
Se o leitor não pertence nem ao Fla nem ao Flu em que se transformou a política brasileira (ou seja, em incondicionais do PT ou do PSDB, o que em geral turva o raciocínio), convido-o a ler cada trecho da entrevista como se estivesse lendo declarações dos antecessores civis de Lula.
Não vai achar grande diferença. Salvo, como é óbvio, em temas pontuais, como a eleição para a presidência da Câmara, que outros presidentes não perderam. No mais, o tônus vital é o mesmo: plano, para não dizer monótono.
Os outros poderão ter dito coisas parecidas com mais ou menos elegância, com maior correção nas concordâncias (erros que não impedem necessariamente um presidente de ser um bom presidente), mas não se nota, no discurso, qualquer diferença que entusiasme ou irrite.
Salvo na reincidência em pregar a tolice de "reeducação" do sistema financeiro pela mobilização dos traseiros populares, ainda que, desta vez, não tenha usado "traseiros".
As outras diferenças vêm das circunstâncias pessoais ou históricas: José Sarney de fato falava e governava mais, digamos, à esquerda, para apagar o pecado original de, tendo vindo do partido da ditadura, governar em nome da oposição a ela. Itamar Franco é ensimesmado demais para deixar marcas retóricas.
Um político que começou a carreira se dizendo "um brasileiro como você" tornou-se um presidente como todos os outros, distante e morno como todos os outros.

FOLHA DE S. PAULO

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