sexta-feira, março 18, 2005

O GLOBO - Tereza Cruvinel: Vacilos na política

A centralidade da economia no mundo contemporâneo alimenta o equívoco de que a política é atividade acessória, que devia até ser dispensada. Como isso não é possível, pois não há livre mercado sem democracia, e esta não se faz sem política, adotou-se a sua subordinação à economia. O governo Lula está pagando agora o preço de suas negligências recentes na gerência da política.

Esta liberalidade com que o Congresso, e em particular a Câmara, vem aprovando medidas que aumentam gastos, é conseqüência direta da eleição dos novos integrantes da Mesa — que não é uma entidade abstrata, mas um colegiado. No caso da Câmara, composto basicamente pelos emergentes do baixo clero, eleitos com Severino na sublevação do mês passado. E aquilo aconteceu porque o governo descuidou da política. Já havia descuidado com leituras incorretas do resultado da eleição municipal, que levaram o presidente a adiar a reforma ministerial que poderia reequilibrar os partidos dentro da coalizão. E descuida de novo agora o presidente quando se demora tanto para concluir a reforma ministerial, e, em particular, para remontar o núcleo de comando político. O ministro Aldo Rebelo sofreu fritura pública e agora não tem mais salvação. Urge pois escolher seu substituto. Da mesma forma o líder do governo na Câmara, Professor Luizinho (PT-SP), há dias apenas esquenta o lugar na Câmara para um sucessor. Erra ainda o governo quando, apesar de tudo isso, e do ambiente ruim na base, permite que a Câmara continue votando as matérias selecionadas por Severino. Age com um estoicismo que beira à inconsciência. Adotar a obstrução quando lhe falta a maioria é recurso legítimo também para os governos, não apenas para a oposição. Mas este não, enfrenta as adversidades de peito aberto, mesmo que venha a ter apenas 13 votos, como na votação do destaque que elevou ao teto máximo o salário de delegados, advogados estaduais e fiscais tributários — insensatez que terá de ser corrigida no Senado.

Parecem também obstruídos os canais políticos entre Executivo e Legislativo. Do contrário, teriam havido pelo menos consultas sobre a votação do projeto que facilitou o acesso aos benefícios da Loas (Lei Orgânica da Assistência Social), como se o maior programa de transferência de renda tirasse recursos de uma árvore.

Com a reforma ministerial praticamente montada, o presidente adiou seu anúncio para a semana que vem. Possivelmente, para não estragar a festa de ministros petistas em Recife no sábado. Mas não havia ainda batido o martelo sobre a equação mais importante — a escolha do deputado João Paulo Cunha para ministro da Coordenação Política e do deputado Arlindo Chinaglia para líder do governo. A dupla terá muito trabalho e já começará tarde. Quando é má gerida, e apresenta suas contas, vê-se que a política é tão central quanto a econômica. E mais complexa, porque humana.

Caso Marta — Tudo pode piorar

A operação financeira irregular feita pela ex-prefeita Marta Suplicy no âmbito do programa Reluz, estando com o limite de endividamento estourado, já estragou a vida do governo Lula no Senado, onde tudo estava azul diante da confusão na Câmara. A ida do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), no dia 29, foi combinada para ele brilhar, falando dos avanços da economia. Agora, vai com agenda negativa. Seguidos depoimentos, entre eles o de Marta, agitarão a Casa. Na Câmara, o líder tucano Alberto Goldman entrou com ação contra a ex-prefeita no Ministério Público.

Mas ruim mesmo ficará a situação se for demonstrada a inconstitucionalidade da MP 237, editada em janeiro, que sana a irregularidade. A de Marta e a praticada por muitas outras prefeituras, inclusive a do Rio. Esta medida provisória dilata prazos para tais operações, estabelecidos por uma outra, a 2.185-35, de 2000. Esta é uma das medidas que, com a promulgação da emenda constitucional 31, que alterou o rito de tramitação das medidas provisórias (acabando a reedição eterna), foram mandadas para uma espécie de limbo: mesmo não votadas, ficariam em vigor até que um dia fossem aprovadas ou revogadas pelo Congresso. Para alguns juristas, tais medidas não podem entretanto ser modificadas por outras medidas. A emenda não prevê esta possibilidade. Se for assim, a MP 237 acabará caindo e Marta estará no sal. Mas nenhum partido quer argüir esta inconstitucionalidade, para não prejudicar também seus próprios prefeitos.

É MESMO muito ruim o clima na Câmara, inclusive entre os integrantes da Mesa. Na reunião de anteontem, o diretor-geral Sérgio Sampaio apresentava ao colegiado algumas informações de ordem administrativa. O primeiro-secretário, Inocêncio Oliveira, em tom descontrolado, censurou-o por não lhe apresentado previamente o relatório. Os assuntos administrativos são afeitos à sua secretaria. Severino interveio, esclarecendo ter sido ele que pediu a exposição do diretor. Diz-se na Mesa que Inocêncio está vivendo uma aguda crise de ciúmes. Na gestão de João Paulo, como primeiro-vice-presidente, substituía-o com freqüência no comando do plenário. Agora, quem faz isso (e com mais freqüência, na gestão de Severino) é o pefelista José Thomaz Nonô.

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