O Brasil está cometendo erros velhos. Sempre que a situação melhora um pouco, os poderes deixam de lado a cautela e aumentam os gastos. Desta vez, Executivo e Legislativo estão afrouxando os controles, na comemoração do segundo ano de crescimento. Foi assim que perdemos outras ondas. O bom momento do país é, em parte, explicado pelo bom momento externo. E se houver uma crise lá fora?
O economista Albert Fishlow, da Universidade de Columbia, que passou pelo Brasil brevemente neste fim de semana, acha que o país está muito confiante em que a situação externa não mudará; mas pode estar errado. Fishlow acredita que, até o fim do ano, pode eclodir uma crise americana.
— O déficit em transações correntes nos Estados Unidos está em 6% do PIB e, até o fim do ano, estará em 7%. A desvalorização do dólar não está diminuindo o problema, porque os países estão reduzindo os preços dos produtos vendidos para não perder mercado nos Estados Unidos — disse.
Desde que começou o governo Lula, o mundo tem estado numa ótima fase. O crescimento americano e chinês tem puxado as exportações, que são, em parte, responsáveis pela redução da vulnerabilidade externa. No ano passado, os economistas se dividiram entre os que achavam que a China teria uma redução brusca de crescimento e os que acreditavam numa redução mais suave. Não deu uma coisa nem outra: a China continua a crescer. Por isso, todos os que apostaram numa queda dos preços das commodities e, portanto, diminuição do superávit comercial brasileiro estão revendo suas projeções. Ontem, o Banco Central elevou sua projeção de superávit comercial e em transações correntes.
O risco é o Brasil achar que o cenário azul é o único possível. Fishlow lembrou que o dólar continua caindo para níveis inesperados; e os juros americanos vão subir novamente hoje. O contexto de elevação dos juros internacionais torna mais difícil a queda dos juros no Brasil. Ainda mais que o contexto interno é de aumento de gastos. Fishlow, velho conhecedor do Brasil, organizador do Ipea nos anos 60, preocupa-se com o retrocesso em algumas áreas, com a ascensão ao poder de pessoas que representam o velho Brasil.
A proposta de aumento da renda familiar para se enquadrar na Loas — programa que originalmente foi desenhado para ser o merecido socorro aos idosos extremamente pobres — pode ser vetada pelo presidente. Mas a PEC paralela é a revogação de várias decisões já tomadas na reforma da previdência.
O absurdo é o seguinte: o Brasil gastou um ano para fazer uma reforma da previdência do setor público que está longe de acabar com as enormes desigualdades entre os aposentados públicos e os do setor privado. Apesar de serem moderadas, as medidas encontraram resistência na Câmara. Para aprovar a reforma, o governo se comprometeu com pontos que, na prática, revogam o que foi aprovado. Ou seja, é a primeira vez que um governo faz uma reforma e, por exigência da base, uma contra-reforma ao mesmo tempo.
Órgãos técnicos do governo agora estão debruçados sobre o que foi aprovado pela Câmara na semana passada para saber quanto custa. Só um dos dispositivos aprovados, o da regra de transição nova que permite redução de um ano na idade de aposentadoria para cada ano adicional de contribuição, dá um impacto total de R$ 550 milhões. Ainda não ficou claro se a dona-de-casa aposentada pela nova regra terá que contribuir ou não. Se não contribuir, o impacto fiscal é de R$ 3 bilhões no primeiro ano, segundo esses técnicos.
Se o Senado não derrubar as propostas da PEC paralela, o governo não poderá vetar. Ou seja, o governo depende agora da boa vontade do PMDB, que tem a maior bancada no Senado, e do peemedebista Renan Calheiros para evitar esse retrocesso.
A espantosa aprovação de que delegados, auditores fiscais e advogados estaduais possam ganhar mais do que o governador pode produzir mais efeitos. Os policiais militares querem a mesma coisa que os delegados. Eles irão ao Senado e serão recebidos pelo senador petista Paulo Paim. Teremos assim um mundo perfeito nos estados: todos os subordinados podem ganhar mais que o chefe. O espantoso é não ver qualquer sinal de que o governo controle a sua base ou tenha explicado ao partido governista qual é o sentido da reforma que ele mesmo, governo, propôs.
O Congresso aprova gastos sem se perguntar quanto custa e distribui favores a lobbies organizados, o Executivo faz a farra das contratações e reinterpreta a Lei de Responsabilidade Fiscal. A cereja neste bolo é a aprovação de extravagantes anistias, como as mostradas em reportagem da “Folha de S.Paulo” no domingo. Até ex-estagiário da Petrobras, que continuou trabalhando no governo, tem direito a R$ 1,2 milhão só de retroativo, sem falar no mensal. Um escândalo que o governo finge não ver.
No passado, o governo gastou demais e provocou inflação. A inflação ajudou a concentrar renda. No passado, o governo gastou errado, privilegiando privilegiados e o Brasil virou o campeão da desigualdade de renda. O ministro Antonio Palocci disse, certa vez, que o governo só queria cometer erros novos. Infelizmente está cometendo erros velhos. Velhíssimos.
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