JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA
Dito e feito : na reforma ministerial de Lula, muito foi dito e nada foi feito. Do mato do Planalto não saiu nenhum coelho. Saiu só um Romero Jucá. Dos males o menor, dirá o leitor. Ao menos o país foi poupado da nomeação de outros bichos. Mas há males que vêm para pior.
Sobreviveram na Esplanada alguns estorvos do ex-PT. De todos, o ministro Humberto Costa (Saúde) foi o que melhor dissimulou a própria ociosidade. Aproveitando-se das nuvens que se formaram sobre sua cabeça, crivou de raios a Prefeitura do Rio.
O teatro não rendeu a Costa só a manutenção no cargo. Na reunião ministerial de quarta, Lula cobriu-o de elogios. Ele passou de demitido a todo-poderoso. O diabo é que o novo Zeus da Esplanada é feito de um tipo de matéria-prima encontradiça na política brasileira: empulhação.
Documentos produzidos pela pasta da Saúde indicam que, se quisesse trovejar de verdade, SuperCosta teria muitos outros alvos além do pefelê Cesar Maia. Os papéis informam que 16 Estados vêm descumprindo sistematicamente o mandamento constitucional que reserva um naco da arrecadação de tributos para investimentos no SUS, o Sistema Único de Saúde.
Para casos assim, a Constituição da República receita um remédio amargo: intervenção federal. É uma oportunidade para que SuperCosta exercite os pendores intervencionistas que exibiu no Rio. Aliás, o ministro poderia ter agido há mais tempo. O SUS é espoliado desde 2001.
Deve-se ao médico sanitarista Eduardo Jorge, ex-deputado petista, a vinculação de percentuais da receita tributária da União, Estados e municípios ao SUS. A novidade foi instituída por meio da emenda constitucional 29, aprovada no Congresso em 2000. Os novos aportes seriam feitos de modo escalonado. Para o caso dos Estados, previu-se que, em cinco anos, todos estariam destinando no mínimo 12% de seu bolo tributário ao sistema público de saúde.
Entre 2001 e 2003, o desrespeito à lei privou o orçamento do SUS de R$ 4,5 bilhões. Os valores de 2004, ainda por contabilizar, elevarão o prejuízo a mais de R$ 5,5 bilhões. Entre os Estados que investem menos do que deveriam no SUS está o Pernambuco natal de SuperCosta (déficit de R$ 44,4 milhões).
A lista de deficitários inclui outras jóias da coroa federativa. Para citar apenas sete exemplos: Rio de Janeiro (R$ 819 milhões); Minas Gerais (R$ 765 milhões); Paraná (R$ 721 milhões); Rio Grande do Sul (R$ 691 milhões); Maranhão (R$ 303,9 milhões); Distrito Federal (R$ 104 milhões) e Espírito Santo (R$ 95 milhões).
A inação de SuperCosta começa a incomodar. O procurador da República Hélio Heriger, lotado no Espírito Santo, ajuizou em 11 de fevereiro uma ação civil pública contra a União. No texto, ele lembra a Brasília que a Constituição prevê a intervenção nos Estados que burlam o SUS.
A Constituição prevê também uma alternativa à intervenção. Se devotasse apreço à lei, o governo deveria reter, na boca do caixa, os repasses a que os Estados têm direito no rateio de tributos federais, por meio do FPE (Fundo de Participação dos Estados).
O Ministério Público pede à Justiça que obrigue a União a fazer na marra o que deixou de fazer por obrigação. Reivindica que, do bolo do FPE destinado ao governo capixaba, seja retida uma fatia do tamanho da verba sonegada ao SUS.
Um leão na briga contra Cesar Maia, SuperCosta age como gatinho manso no trato com o governador capixaba Paulo Hartung, um aliado de primeira hora do governo Lula. O ministro fecha os olhos para uma esperteza registrada até em documentos internos de sua pasta.
Criou-se no Espírito Santo, na década de 70, uma coisa chamada Fundap (Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias). Embute um refresco às empresas que realizam importações pelo porto de Vitória. Parte do ICMS que incide sobre os produtos importados volta para o caixa das empresas na forma de empréstimos a juros camaradas, sem correção monetária.
Ao calcular a grana que a lei manda aplicar no SUS, o Espírito Santo exclui da conta os valores do ICMS transformados em empréstimos aos importadores. A malandragem é endossada pelo Tribunal de Contas do Estado.
Além do logro capixaba, os Estados desenvolveram outras artimanhas para lesar o sistema público de saúde. Muitos consideram como investimentos em saúde despesas que nada têm a ver com o SUS. Alguns exemplos: merenda escolar, pagamento de servidores inativos e pensionistas, serviço de limpeza urbana, obras de infra-estrutura urbana etc.
Sob Lula, a União também recorre ao ardil. Em 2004, o governo federal deveria ter injetado no Orçamento um adicional de R$ 5 bilhões para o SUS. O dinheiro foi reservado, mas R$ 3,5 bilhões do total destinavam-se a ações do Fundo de Erradicação da Pobreza, uma rubrica que deveria ter outras fontes de financiamento. Se SuperCosta se levasse a sério, poderia intervir em sua própria gestão.
O ministro logo terá à sua disposição novas ferramentas. Tramita no Congresso um projeto de lei que proíbe os desvios de finalidade que minguam o caixa do SUS. A julgar pela inapetência de SuperCosta, a nova lei, quando aprovada, tem tudo para virar letra morta. O super-herói de Lula é um valente seletivo. Quando o quebra-pau é grande, prefere o conforto da covardia.
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