Depois de mais de um ano de euforia com a economia brasileira, entramos, mais uma vez, em um tempo de incertezas. A mudança de algumas palavras-chaves do comunicado, que se segue a cada reunião do comitê de Open Market do Federal Reserve nos Estados Unidos, trouxe de volta turbulências aos mercados financeiros mundiais. Para usar uma imagem que tem freqüentado esta coluna: parece que o vulcão vai estragar um piquenique que já dura mais de ano no mundo global em que vivemos.
Foi esse clima de alegre piquenique, criado pelos juros baixos nos Estados Unidos e pela expansão extraordinária da economia chinesa, que embalou o governo do presidente Lula a partir da segunda metade de 2003. A China fez com que os preços das commodities, que dominam nossa pauta de exportação, atingissem valores inimagináveis há alguns anos. Já os juros baixos nos Estados Unidos fizeram com que os investidores buscassem alternativas mais exóticas, como os títulos da dívida externa brasileira, para aplicarem seus recursos.
Com a expansão de nossas exportações e a queda no custo da rolagem de nossa dívida externa, a conta corrente do balanço de pagamentos do país entrou no azul, depois de décadas de um monótono tom vermelho. Em um mundo em que o dólar norte-americano passou a ser olhado com desconforto, o real atingiu o estado de moeda forte e ajudou o Banco Central a reduzir a inflação inchada pelo medo que a vitória de Lula trouxe aos mercados em 2003.
Com a melhora de nossos fundamentos econômicos e a convicção que o ex-líder sindical do ABC tinha se transformado em um político conservador, o sistema bancário brasileiro saiu de sua atitude de cautela e passou a expandir de forma vigorosa o crédito ao consumidor. Depois do sufoco de dois anos com desemprego crescente e renda em queda, o brasileiro passou a uma posição mais agressiva em suas compras.
Estimulado pelas exportações, e pelo consumo interno, o PIB expandiu-se de forma vigorosa em 2004, o que provocou -dada uma carga tributária construída para tempos de vacas magras- uma verdadeira derrama fiscal nos cofres do governo do PT. O aumento dos gastos de consumo e transferências colocou mais lenha na fogueira do crescimento econômico. O céu de nossa economia, depois de vários anos de feições carrancudas e de poucos amigos, virou "céu de brigadeiro".
Mas esse cenário róseo estava sendo construído a partir de um desequilíbrio macroeconômico mundial crescente e muito perigoso. Entretanto não vivíamos dias de pessimismo e o espaço para "cassandras" era muito pequeno tanto lá fora como aqui.
Apesar dos avanços indiscutíveis na qualidade dos chamados fundamentos de nossa economia, era preciso perceber os riscos que ainda corríamos. Os juros reais, em níveis recordes, eram um indicador que não podia ser ignorado, murmuravam poucas vozes corajosas que se aventuravam pelo caminho do dissenso, como o ex-presidente do Banco Central Ibraim Eris.
Já o economista Fernando Montero alertava para a verdadeira "farra do boi" fiscal do governo Lula, patrocinada por uma carga fiscal recorde para o nível de atividade nesses novos tempos de bonança. O retorno de grandes projetos polêmicos, como o da transposição das águas do rio São Francisco, por tanto tempo adiado, era um indicador importante dessa falta de cuidado com o futuro.
Quem tem um pouco de experiência com a economia global de hoje sabia que esses pequenos pecados, esquecidos em tempos de euforia, seriam lembrados quando a situação conjuntural fosse menos favorável. Isso está acontecendo agora, com o reconhecimento de que a política de juros do Fed vai ser mais agressiva do que o esperado pelos mercados. Nesta última semana, a questão fiscal brasileira já fez parte do noticiário internacional. Uma das agências de "rating" de crédito, que avalia a situação brasileira, enviou uma mensagem clara: a tão esperada melhora na nota brasileira só vai ocorrer quando a questão dos gastos do governo estiver mais clara.
Mas como enfrentar essa euforia de gastos quando sabemos que o governo perdeu o controle da situação política no Congresso e já entrou em campanha eleitoral para a reeleição de Lula? Basta ter ouvido o porta-voz da Presidência da República, após a última reunião ministerial, quando fez um balanço dos principais projetos do presidente para o restante de 2005, para encontrar uma resposta muito clara a essa pergunta.
A economia brasileira estará dependente do que vai acontecer com a inflação nos Estados Unidos durante os próximos meses. Se a inflação se mantiver sob controle, poderemos ter uma nova acomodação nos mercados financeiros e a volta do otimismo com o Brasil. Mas, se o pior vier a acontecer, e o Fed vier a aumentar com mais intensidade os juros, preparem-se, meus leitores, para dias complicados.
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