sábado, março 19, 2005

Folha de S.Paulo -Gesner Oliveira: O crescimento na democracia - 19/03/2005

Os últimos 20 anos de democracia ainda não renderam dividendos expressivos em termos de desempenho econômico. Nos 20 anos anteriores de ditadura, a economia brasileira apresentou maior média de expansão anual e menor taxa de inflação. Isso não quer dizer que o país tenha de abrir mão de do crescimento depois da conquista da redemocratização, a partir dos anos 80.
O quadro acima compara as taxas médias anuais de crescimento para os períodos de ditadura e de democracia. As médias enganam, especialmente no que diz respeito à inflação. Embora a inflação média anual do período democrático seja superior à da ditadura (87,2% contra 44,4%), a superinflação foi vencida com êxito com o Plano Real, a partir de 1994. A média anual dos últimos dez anos do IGP-DI foi de 9,8%, algo que não se atingia no Brasil desde os anos 30. A inflação ao consumidor medida pelo IPCA neste mesmo período foi ainda menor: 7,6%. A estabilidade de preços foi a grande conquista dos anos 90.
A taxa média de crescimento do PIB foi significativamente maior em 1964/84 relativamente ao período 1985/04: 6,2%, contra 2,6%. Novamente as médias iludem. O ciclo de expansão já emitia sinais de esgotamento a partir de meados dos anos 80. A taxa de crescimento em 1975/84 já havia diminuído para 3,9%, em meio a uma das mais graves crises de endividamento externo do século passado. Lembre-se, além disso, de que no período democrático de 1946/ 64 a economia cresceu a uma taxa superior à do regime militar (cerca de 7% ao ano).
A experiência brasileira não abona, portanto, uma lei de ferro entre regime político e vigor do crescimento econômico. As circunstâncias que podem levar um país a um processo sustentado de expansão variam muito no tempo e no espaço.
O crescimento espetacular da China é freqüentemente citado como um exemplo de sucesso de regimes autoritários em promover o rápido crescimento. Estudo de Glaeser, La Porta, Lopez de Silanes e Shleifer chama a atenção para casos em que o salto para o crescimento ocorre sob uma ditadura. À medida que o país acumula capital físico e humano, verifica-se uma transformação em direção a regime mais democrático. Além da China, a Coréia do Sul passou por processo semelhante.
Mas os resultados estatísticos não excluem outros caminhos. Lembre-se do exemplo da Índia, que vem registrando taxas de expansão significativas dentro dos marcos da democracia. Apesar de sucessivas crises e muitas dificuldades, entre as três maiores economias da América Latina, o México tem registrado desempenho sem interrupção do processo democrático.
Ditadura e democracia podem ajudar ou atrapalhar o salto para o crescimento. Os regimes totalitários podem promover mudanças rápidas na economia, como fez Pinochet, no Chile, ou Deng, na China, ou a revolução soviética, que transformou um país rural em potência industrial em algumas décadas. Tais alterações acarretam transferências espetaculares de renda e riqueza e seriam inexeqüíveis em curto espaço de tempo em regimes democráticos.
Mas, da mesma forma, as ditaduras acumulam tensões reprimidas ao longo do tempo. A violenta repressão às manifestações de jovens estudantes chineses na praça Tiananmen em 1989 cobrará seu preço no futuro. Mais grave ainda, os regimes autoritários inibem o desenvolvimento de instituições estáveis e conseqüentemente estão mais sujeitos a alterações discricionárias das regras do jogo.
Por sua vez, as democracias representativas em países em desenvolvimento sofrem da distribuição profundamente desigual da informação e de capital humano. Máquinas públicas inchadas alimentam expectativas exageradas de assistencialismo e oneram as contas públicas sem ao menos suprir os serviços públicos fundamentais.
No caso brasileiro, somam-se a isso a fragmentação do sistema partidário e a lentidão do processo decisório. A modernização institucional ocorre, mas a um ritmo tão moroso que o país perde terreno na economia internacional. A solução não reside no abandono da democracia, mas em seu aperfeiçoamento em prol da eficiência gerencial e do crescimento sustentado.

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