Entre perder e ganhar, o governo escolhe perder
Na melhor das hipóteses, digamos que o governo anda um tanto confuso ultimamente. Bastante confuso.
Levou pelo menos três meses negociando a reforma ministerial que Lula abortou quando acordou invocado na semana passada.
E ontem orientou sua tropa na Câmara dos Deputados para derrotar a Medida Provisória (MP) 232 despachada por ele ao Congresso.
No primeiro caso, alegou que Severino desrespeitara a autoridade presidencial ao dar um prazo de 24 horas para que Lula nomeasse um ministro do PP. O aborto da reforma teria sido a resposta à altura do ato de desrespeito.
No segundo caso, admitiu que não tinha votos para aprovar a MP 232. E que seria melhor trocá-la por por um projeto de lei que desprezaria alguns dos seus ítens e resgataria outros.
Desculpas, nada mais do que desculpas esfarrapadas.
O ultimatum dado por Severino ao presidente foi o pretexto de que Lula se valeu para engavetar uma reforma que fracassou. Porque havia mais gente querendo entrar no governo do que sair. E porque faltou energia a Lula para impor sua vontade.
Convencido de que perdera a batalha pela aprovação da MP 232, o governo decidiu ajudar a sepultá-la para não parecer que a oposição vencera sozinha. De resto, ganharia tempo para substitui-la por um projeto de lei.
Ora, ou a reforma ministerial era necessária e deveria ter sido feita excluindo apenas o PP do rebelde Severino ou não era necessária - e não deveria ter sido deflagrada, poupando o governo do desgaste de dar o dito pelo não dito.
Da mesma forma, ou a MP 232 se justificava, e o governo deveria tê-la bancado até o fim mesmo para perder ou não se justificava, e o governo não deveria tê-la editado. E muito menos pensar em substitui-la por um projeto de lei.
A MP foi uma jogada esperta do governo que deu errado.
Sob pressão da opinião pública para reajustar a tabela de Imposto de Renda engessada há alguns anos e beneficiar assim cerca de 7 milhões de contribuintes, o governo concordou em fazê-lo, mas ao preço de aumentar o imposto pago por prestadores de serviços.
Quer dizer: o que daria com uma mão tomaria com a outra.
Se a MP caísse, ficaria elas por elas.
Ocorre que ela cairá - não caiu ontem por manobra do governo, mas cairá hoje ou amanhã. E a disposição da maioria dos deputados é de preservar parte da MP - justamente aquela que garante o reajuste da tabela do Imposto de Renda.
O governo obstruiu a votação ontem à noite para impedir duas vitórias da oposição em um único dia: a derrubada da parte ruim da MP (a que aumenta o imposto dos prestadores de serviços) e a manutenção da parte boa (a que reajusta a tabela do Imposto de Renda).
Não enxergou uma coisa: foi a reação da fatia mais organizada da sociedade que mandou para o lixo o aumento de imposto embutido na MP 232, e que quer preservar o reajuste da tabela do Imposto de Renda - não foi a oposição que apenas lhe emprestou a voz.
Perder para a sociedade significa ganhar com ela.
O governo está conseguindo transformar uma vitória da sociedade numa vitória da oposição - e numa vexaminosa derrota dele.
enviada por Ricardo Noblat
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