O Brasil viveu, nas últimas duas semanas, flagrantes de faroeste: colheita de milho feita sob a vigilância de tropas da Brigada Militar no Rio Grande do Sul; um soldado morto e outro torturado num acampamento do MST em Pernambuco; manifestantes sem-teto mortos por policiais militares em Goiânia; e uma freira americana, que dedicou sua vida aos desprotegidos, assassinada. O poder do Estado foi desafiado em vários pontos do território.
A resposta do governo foi forte no Pará, como tinha que ser: tropas do Exército desembarcaram na região. Foram para proteger a vida dos cidadãos, garantir as prisões, enfrentar grileiros e madeireiros ilegais e zelar pelo cumprimento de ordem judicial. Mas algumas ordens judiciais são verdadeiros desafios à Justiça. “O que fazer diante de ordens da Justiça que encobrem os bandidos? Prender o juiz?”, perguntava-se uma alta autoridade.
A ocupação militar foi decidida com o presidente fora do país numa reunião com 12 pessoas no gabinete do vice-presidente. A dúvida era como reagiria o governador Simão Jatene. Ele estava em Brasília e foi chamado ao Planalto. Lá não esperou que contassem a decisão, ele mesmo pediu tropas federais. Fez bem. Esse “não-me-toques” estadual, quando a ordem pública está em perigo, não faz sentido algum.
O governo ampliou também a presença da autoridade civil e anunciou um pacote de medidas para ir além da crise conjuntural e começar a construir um futuro de legalidade nas terras sem lei da Amazônia Legal.
As outras cenas de desordem foram vistas de longe pelas autoridades federais. Como segurança é questão estadual, viraram problemas apenas das autoridades locais. Alguns erraram mais, como em Goiânia. Os fatos são sintomas de problemas muito mais graves. Uma parte da crise é social: 2,5 milhões de trabalhadores perderam emprego no campo nos últimos 15 anos, contabiliza o professor Carlos Eduardo Young, da UFRJ. Há quase duas décadas, o Brasil não tem uma política habitacional eficiente. Mas há também tibieza do governo quando fala para seus velhos aliados do MST. Por mais gritante que sejam as provocações, por piores que sejam os atos do movimento, o governo continua com sua campanha de santificação do MST. Mais de um ministro já pediu que o Brasil agradecesse por haver no país tal movimento e o presidente Lula, visitando um acampamento, avisou que lá estavam seus verdadeiros amigos. Amizade e aliança é questão de escolha, mas um governo não pode concordar que a lei seja descumprida e o Estado desafiado, seja pela esquerda ou pela direita. Um governo democrático deve passar sinais claros sobre a fronteira entre legal e ilegal.
A morte de Dorothy Stang provocou uma reação imediata, mas os projetos não nasceram em uma semana, informou a ministra Marina Silva. Eles vêm sendo preparados pela equipe do Ministério do Meio Ambiente dentro da visão “estruturante”, palavra que a ministra repete sempre.
Em 2001, um militante do Greenpeace alertava na internet: “Ainda há tempo de salvar a linda floresta da Terra do Meio”. Perderam-se muito tempo e mata desde então, mas, a partir de agora, parte dela está protegida como Estação Ecológica. Na outra margem da BR-163, será feito o experimento que provocará debates: as licitações para exploração de blocos da floresta em regime de concessão.
O Ministério diz o seguinte: hoje uma coalizão de bandidos que desmatam, matam, exploram trabalho humano em condições ultrajantes, grilam terra pública, usam armas e vários truques permitidos pela legislação brasileira para destruir a floresta. Todo o Brasil sabe que é exatamente isso.
— A atividade econômica é forte demais. O governo tem é que impedir que seja feita de forma predatória e tem que dar condições para que empresários sérios consigam se estabelecer no local — diz o secretário de Biodiversidade, João Paulo Capobianco.
Nas contas do Ministério: o Brasil exporta US$ 1 bilhão de produtos de florestas naturais por ano. A atividade florestal, incluindo a plantada, gera seis milhões de empregos e 20% do resultado positivo da balança comercial.
Hoje é difícil conseguir terra com registro legal, é difícil atuar corretamente nessa área da qual o Estado se afastou por tempo demais; ou jamais se estabeleceu. É essa presença que o governo acha que pode fincar na ameaçada Floresta Amazônica.
— Eu vou me encontrar com dois fundos de pensão que já investiram US$ 5 bilhões em ativos florestais na América Latina em países como Colômbia, Peru, Chile, Argentina e Uruguai. Nunca puseram um tostão no Brasil porque dizem que o país não tem marco regulatório na área florestal — conta o diretor de Florestas do Ministério, Tasso Azevedo.
Na busca da ordem no conflagrado Pará, há um papel que cabe à sociedade: exigir certificação e comprovação de que se trata de um negócio de origem legal.
— São Paulo consome 82% da madeira retirada da Floresta Amazônica. Se fosse um país, o estado seria o terceiro maior consumidor do mundo de produtos florestais e 40% do que vai para lá vira telhado — diz Tasso Azevedo.
A atitude do governo pode ser vista como uma rendição por quem defende a preservação absoluta da floresta, ou, do outro lado, como uma tentativa de organizar uma atividade econômica e preservar a floresta.
As cifras são poderosas. Segundo Marina Silva, com as concessões, o governo pretende arrecadar R$ 187 milhões por ano, só em taxas, e US$ 1,9 bilhão em impostos. Parte do dinheiro vai virar um fundo para financiar a proteção da Amazônia.
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