sábado, fevereiro 26, 2005

O Estado de S. Paulo - O gogó do Lula CELSO MING

O Estado de S. Paulo - O gogó do Lula CELSO MING





Algo muito sério parece estar ocorrendo com o presidente Lula.

Quinta-feira, fez três afirmações graves: (1) que houve corrupção na administração Fernando Henrique, por ocasião das privatizações; (2) que, já na condição de presidente da República, ouviu de "um alto companheiro" que "nossa instituição" (o BNDES) estava "quebrada", em conseqüência dessa corrupção; (3) e que mandou o alto companheiro "fechar a boca".

O que há de mais grave aí é que o presidente Lula confesse acobertamento de crime de corrupção. Mas há outros erros de avaliação e conduta por parte do presidente.

Embora Lula não o tivesse nomeado, o "alto companheiro" que o avisou do caso só pode ser o ex-presidente do BNDES, Carlos Lessa, o único em condições de dizer: "nossa instituição está quebrada". Lessa reconheceu que alertara o presidente para "a situação muito ruim". Mas acrescentou quatro afirmações: que o presidente exagerou; que nunca dissera que o BNDES estava falido; que não está em condições de apontar corrupção na administração anterior; e que, no máximo, poderia confirmar a existência de "contratos malfeitos" no BNDES.

O caso da privatização da Eletropaulo é conhecido. Se não houvesse o empréstimo do BNDES, não haveria comprador. O empréstimo, de US$ 1,2 bilhão, teve como garantia as ações da Eletropaulo, na proporção de 200% sobre o valor do empréstimo. Aparentemente, Lessa entendeu que essa garantia foi insuficiente. Três anos depois, a americana AES, que ficou com o controle acionário da Eletropaulo, alegou incapacidade de pagamento e forçou o BNDES a ficar com parte da garantia.

O que aconteceu produz sua lógica. Se, em público, o presidente de fato confessou que acobertou o que ele entende como crime de corrupção cometido por adversários políticos (funcionários do ex-presidente Fernando Henrique), imagine-se o que não seria capaz de acobertar em casos de corrupção que envolvessem companheiros de governo.

As declarações de Lula deixaram seus correligionários como baratas atingidas por jato de inseticida: perderam o rumo. O ministro da Casa Civil, José Dirceu, advertiu a oposição, que ameaça processar o presidente por crime de responsabilidade, com uma frase esquisita. Disse que "o feitiço pode virar contra o feiticeiro", sugerindo que há feitiço, feiticeiro e acobertamento do feitiço. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, tentou dizer que a oposição fez uma leitura equivocada do que disse Lula, na medida em que "transformou em questão política mera questão de polícia" e, assim, nada explicou. O ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, produziu uma pérola: "Lula não pediu para ocultar a corrupção; pediu para não a tornar pública." O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante, pareceu apoiar a "operação-abafa". Disse que na época havia muitas denúncias de corrupção. Mas não explicou por que não foram apuradas. O ex-líder do PT na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), disse que as declarações "só trazem confusão". E, ontem, Lula admitiu que fez "um discurso atravessado", seja lá o que isso signifique.

Sempre haverá os que tentarão desqualificar afirmações, como pretendeu o ministro da Justiça. Nesse caso, Lula teria se comportado como interlocutor de mesa de bar, do qual não se cobra por intemperanças verbais.

A verdade é que, à exceção da área macroeconômica e possivelmente da Justiça, a administração Lula não vai bem. Até na área econômica está difícil justificar a voracidade tributária que tem minado as relações de produção e empurrado o contribuinte para a sonegação, como saída (de "legítima defesa") contra abusos do Fisco.

Agora vemos que crises políticas podem irromper do gogó do Lula. E poderiam desembocar em crise maior se o governo usasse o feitiço contra o feiticeiro, como sugere o ministro José Dirceu.

A economia precisa de tempo politicamente firme para dar frutos. Não pode ficar à mercê da falta de limites do presidente Lula.

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