quinta-feira, fevereiro 24, 2005

O DIA Online A causa além do caso Dora Kramer



O governador do Pará, Simão Jatene, estabelece arguto misto de paralelo semântico e distinção conceitual entre o “caso” do assassinato da missionária Dorothy Stang e a “causa” do abandono de certas áreas e populações do País à própria (falta de) sorte, como se nelas e para elas inexistisse o Estado legal.

E mais ou menos fica por aí – no enunciado do costume de se prestar atenção aos casos e deixar de lado as causas – o governador em matéria de contribuição ao debate. O mais do tempo gasta com o discurso defensivo peculiar a autoridades sob a pressão dos casos.

Pior que a defensiva do poder estadual, porém, soa a posição ofensiva do poder federal. Age como se estivesse desde sempre à frente dos acontecimentos, gaba-se de que os matadores da freira agiram assim para reagir à “política” governamental de combate a ilícitos na região, mas não explica por que ignorou os inúmeros alertas e as fartas evidências levados a instâncias variadas em Brasília.

O mais eloqüente e consistente deles, revelado ontem pelo Estadão, é um relatório produzido pelo Ministério Público e entregue ao Governo federal em setembro de 2003, com um mapa da violência, nome e sobrenome dos chefões do crime organizado em torno da exploração ilegal de madeira e tráfico de drogas no território de ninguém onde foi morta a irmã.

Em princípio, suspeitou-se de omissão por parte da União. Mas, conforme a justificativa apresentada ontem mesmo pelo ministério da Justiça, ficamos sabendo que o Governo tomou providências enérgicas: em novembro de 2003 o ministro Márcio Thomaz Bastos esteve no local, acompanhado do procurador-geral da República, Cláudio Fontelles, inteirou-se de tudo e mandou instalar um posto da Polícia Federal em Altamira.

Seria esta a presença firme do poder público na região à qual, segundo o ministro e o presidente da República, os criminosos buscaram confrontar matando a missionária?

Se não foi, a que outra “política” oficial ambos se referem? Provavelmente à mesma aludida pelo casal Anthony Garotinho e Rosângela Matheus quando usam igual justificativa para “explicar” episódios mais impactantes de insegurança pública no Rio de Janeiro.

No Rio também o governo alega que a bandidagem está apenas reagindo à eficácia do poder público quando põe presídios de segurança máxima de pernas para o ar.

Ora ficaríamos todos muito mais agradecidos pela reverência se governantes não tentassem nos fazer enxergar o que não vemos, vendendo a tese de que malfeitor age mesmo é quando o Estado detém o controle da situação.

Fosse assim, no episódio em curso, a presença do poder público via ocupação militar e mobilização de esforço policial equivaleria à semeadura de uma guerra civil para em breve; não teria resultado no esclarecimento do crime em uma semana. Outros, de gente não notável, permanecem sem solução.

Fiquemos conversados, portanto: no cidadão comum, a mentira varia de grau, pode ir da inconseqüência à psicopatia; no governante, é sempre crime de lesa-pátria porque deforma a relação entre Estado e Sociedade.

A alegação de que a terra sem lei instalou-se no Pará por reação dos fora-da-lei à dura ação dos agentes da lei é tão flagrantemente falsa, que o próprio Governo federal a desmentiu ao anunciar “medidas de emergência” em decorrência do assassinato de Dorothy Stang.

O presidente Lula concluiu o enterro do argumento no discurso em que acusa “madeireiros” pelo crime: “Vamos aproveitar essa desgraça que eles fizeram para moralizar a questão fundiária no Pará e no Brasil”, exortou.

Quis o bom senso que não repetisse o “há males que vêm para o bem” dito quando da morte de 16 pessoas na explosão de um protótipo de satélite na Base de Alcântara em agosto de 2003.

Reconheceu, entretanto, que seu governo agiu em atendimento à urgência do caso e não em acordo à justeza da causa em prol da reinclusão dos territórios de ninguém aos domínios do Estado legal.

Boa vizinhança

O relatório do Ministério Público que aponta o envolvimento de donos de negócios de exploração de madeira ilegal com assassinatos de colonos e tráfico de drogas no Pará cita de forma assertiva a vinculação deles com o deputado Jader Barbalho, do PMDB paraense.

Embora não esclareça a natureza da relação, o documento fala genericamente em “testas-de-ferro”.

Para o governo – especialmente para o PT, a quem quase nada mais parece abalar, como também para o deputado Barbalho, ultimamente bastante cioso na observância da veracidade de informações –, seria assaz importante que tal esclarecimento ocorresse o quanto antes.

A fim de não dar margens a intrigas e suposições de que a paralisia oficial e a política de boa vizinhança do Palácio do Planalto com o PMDB em geral e Jader Barbalho em particular, guardem qualquer semelhança ou mera coincidência.

Em setembro de 2003, data da entrega do documento pelo Ministério Público, estavam no auge as tratativas que resultaram na formalização da aliança oficializada em janeiro de 2004 com a nomeação dos pemedebistas Eunício Guimarães e Amir Lando para os ministérios das Comunicações e da Previdência.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.