sexta-feira, fevereiro 25, 2005

Jornal O Globo - Luiz Garcia Sem verba para o azeite fervendo

Quanto vale um juiz? Não falo do mercado sujo em que um magistrado, como qualquer homem público, pode ser comprado, como acontece em um ou dois países ao sul do Sahara ou a leste da Turcomênia. Digo da remuneração justa, no Brasil de agora, do magistrado, autoridade e servidor, capacitado a interpretar a lei a serviço do cidadão e do Estado.


Resposta: não sei. Seja franco, você também não. Podemos apenas generalizar: o bastante para compensar o esforço, garantir a tranqüilidade no trabalho e, pelo sim, pelo não, assegurar suficiente imunidade a tentações.

Quanto vale em reais um congressista, senador ou vereador, em análoga definição? Idem. Você aí, continue franco. Sabe tanto quanto eu.

Mas estamos certos, por simples exercício de sensatez, que nabos nada têm a ver com bigodes. Funções públicas de naturezas e cargas de trabalho inteiramente diferentes podem merecer o mesmo índice de respeito. Necessariamente têm condições diferentes de exercício da função. A remuneração justa é obviamente uma dessas condições — condizente, e apenas isso, com específicas condições de trabalho que satisfaçam ao Estado e à sociedade.

Se estamos de acordo, somos obrigados a aceitar como absurdo o conceito da isonomia remuneratória entre todos os altos servidores públicos — uns escolhidos por eleição, outros por nomeação, estes cumprindo carreira, aqueles exercendo mandatos — com cargas de trabalho, responsabilidades, e horas de expediente que nada dizem umas às outras.

Têm sentido prático, claro, as pirâmides de remuneração dentro de cada um dos poderes da República. Já a aplicação de supostos critérios isonômicos associando deputados, magistrados e ministros — que princípio lógico a defende? Respeite-se a idéia de que o presidente da República, o mais alto servidor público, ganhe o maior salário do Executivo. E que o ministro do Supremo seja o mais bem pago dos juízes.

Mas, pelamordedeus, o que deve ter a ver o ganho do deputado federal com o do ministro do Supremo? Não há relação hierárquica. Zero semelhança em carga de trabalho. Nada a comparar em termos de preparo para o serviço. Nem em permanência na função. Muito menos nas formas de chegar a ela.

Dá dó ver alguém como o presidente do Supremo, Nelson Jobim (não só pelo respeito que merece como juiz como também pelo fato de ter experiência nos poderes da República), defender isonomia salarial entre parlamentares e ministros do STF. Ele a elogia como “solução política ideal”. Tancredo Neves, que tinha o politiquês como idioma trazido do berço, usaria a expressão como sinônimo de entregar os suspensórios, talvez; as calças, jamais! Ele sabia que qualquer solução, sendo ideal, dispensava o adjetivo “política”.

Sábio e íntegro, o bom Jobim pode estar — vamos torcer — fazendo a mesma coisa.

É o que às vezes se precisa dizer quando os bárbaros chegam às muralhas e falta verba para os caldeirões de azeite fervendo.

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