Jornal O Globo EDITORIAL
Sob suspeita
Em setembro do ano passado, quando a Merck Sharp & Dohme decidiu retirar do mercado o antiinflamatório Vioxx, porque poderia causar infartos e derrames, abriu-se uma crise sem precedentes. Outros remédios, alvo de denúncias, caíram sob suspeita, e o resultado foi uma inédita perda de credibilidade da FDA, a agência americana responsável pelo licenciamento de todos esses remédios e que, como se revelou, tinha especialistas com vínculos com a indústria farmacêutica.
No Brasil — como em praticamente todo o mundo — as decisões da FDA sempre foram aceitas sem contestação. Havia até a tendência de considerar rigorosos demais os critérios adotados, que alongavam excessivamente o tempo entre a descoberta de um novo medicamento e seu lançamento no mercado.
Não é de admirar que o resultado da situação atual seja a desorientação — não só de pacientes como de médicos. Recomenda-se a todos fazer uso da maior cautela, mas é claro que o conselho só pode valer para os médicos, que mesmo assim pouco mais podem fazer do que evitar, quando possível, receitar remédios novos e recorrer aos antigos e consagrados. Como os novos medicamentos, justamente os que estão sob suspeita, são particularmente eficazes, e os efeitos colaterais indesejáveis surgem com o uso prolongado, presume-se que a adoção de períodos menores seja um cuidado razoável.
É essencial que a FDA e outras agências recuperem sua independência e com ela a credibilidade perdida. Enquanto isso não acontece, os médicos que sejam prudentes e os doentes que evitem a automedicação.
VIOXX Decisão insensata MARCOS BENCHIMOL
Oremédio Vioxx, que permitiu ao laboratório Merck Sharp & Dohme faturar, em 2003, US$ 2,5 bilhões, foi retirado do mercado porque um estudo de 18 meses, com 2.600 pacientes, revelou que ele aumenta o risco de infarto e acidente vascular encefálico.
A medida causou espanto porque o remédio é útil para uma infinidade de situações clínicas com um adequado perfil de segurança, quando utilizado por reduzido espaço de tempo e sob orientação médica precisa. Essa classe de medicamentos (antiinflamatórios não hormonais) age inibindo a produção de substâncias inflamatórias (prostaglandinas) que em determinadas situações podem ter efeitos desastrosos, como reduzir a proteção gástrica e provocar gastrites, úlceras, hemorragias e mesmo perfurações do tubo digestivo. Podem, também, propiciar toxicidade renal, diminuindo a taxa de filtração renal, e ainda elevar a pressão arterial.
O grupo que mais requer este tipo de medicação é o de idosos, que freqüentemente apresentam hipertensão arterial, cardiopatias e processos degenerativos ósteo-articulares, tornando-se altamente vulneráveis às graves complicações deste tipo de tratamento. Como geralmente o “sistema” pressiona os médicos à prescrição farmacológica, é muito comum nossos velhinhos saírem das consultas direto para a farmácia com sua famigerada receita de um antiinflamatório.
Muitos pacientes com processos dolorosos crônicos, como artroses, usam esses remédios sem qualquer cerimônia, e o que é mais absurdo, sob uso contínuo. Mas são eficazes, se usados judiciosamente e durante um pequeno intervalo de tempo, com efeitos adversos escassos e geralmente bem tolerados.
A duração do tratamento, no estudo, foi absurdamente longa, e as complicações cardiovasculares começaram a aparecer somente após 18 meses. Não seria mais sensato advertir na bula que não se fizesse uso contínuo? Afinal, todos os remédios podem ter efeitos adversos. E como esta droga faz parte de um grupo com mecanismo de ação muito semelhante, deve-se retirar do mercado as demais? E os antiinflamatórios de primeira geração menos seletivos? Por que ainda são vendidos?
O uso indiscriminado de remédios e a venda orientada por balconistas de farmácia devem ser combatidos. Mas não se deve “queimar” uma poderosa medicação devido a um efeito adverso não usual na prescrição habitual. Nesta decisão não prevaleceu o bom senso.
MARCOS BENCHIMOL é médico.
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