sexta-feira, fevereiro 18, 2005

Folha de S.Paulo - Luiz Carlos Mendonçaa de Barros: Greenspan amplia horizontes para o Brasil - 18/02/2005

Na última quarta-feira, mais uma vez, o mundo econômico parou para ouvir o presidente do Federal Reserve, o banco central norte-americano. Em depoimento no Senado, o todo-poderoso Alan Greenspan cumpriu o preceito legal de prestar contas ao povo americano sobre a condução da política monetária. Ele é obrigado a seguir esse ritual duas vezes ao ano, segundo regras claras de comportamento, fixadas em lei. Um exemplo extraordinário de transparência democrática, que já deveríamos ter adotado no Brasil.
Como a economia norte-americana é o grande motor do mundo global em que vivemos hoje, o testemunho de Greenspan extrapolou as fronteiras nacionais da terra do Tio Sam e foi seguido em detalhes por milhões de pessoas. A partir da cuidadosa avaliação da economia americana, a ser feita pelo presidente do Fed, seria possível ajustar os cenários para o resto do mundo. Sabe-se que está em suas mãos, de ancião e sábio, a continuidade de um período já longo de uma extraordinária expansão da economia mundial.
Uma barbeiragem na condução do processo de normalização dos juros americanos pode levar o mundo para as fronteiras assustadoras de uma nova recessão. Por outro lado, o prêmio pelo êxito dessa tarefa pode representar a manutenção do crescimento mundial em níveis elevados, pelos próximos dois anos.
O depoimento de Greenspan foi muito otimista em relação ao futuro e demonstrou uma grande confiança no sucesso de sua missão de trazer os juros para perto da normalidade. O crescimento continua sólido e próximo do limite superior sugerido pelos parâmetros macroeconômicos. Por outro lado, a inflação continua sob controle, e as expectativas dos agentes econômicos, para o futuro, não indicam nenhuma preocupação maior com o processo de aumento de preços nos mercados de bens e serviços.
O presidente do Fed minimizou algumas preocupações quanto ao processo de endividamento dos consumidores -um dos pontos frágeis da economia americana, segundo alguns analistas-, ao defender que o nível de gastos precisa ser medido em relação à riqueza das pessoas, e não apenas à renda disponível. Com as Bolsas de Valores em alta e o mercado imobiliário aquecido, os dois itens principais da riqueza do americano estão garantindo a solidez e solvência do consumidor.
Por outro lado, Greenspan manifestou seu otimismo em relação à questão do déficit fiscal do governo e ao buraco nas contas externas do país. Esse foi, sem dúvida nenhuma, o ponto mais fraco de seu depoimento. A força de seus argumentos econômicos anteriores foi substituída apenas por um enorme desejo de que as coisas no futuro se ajustem. E todos nós sabemos que o mundo não funciona assim.
Mesmo com essa visão "naïve" em relação aos desajustes macroeconômicos de hoje, o resultado final das palavras de Greenspan concedeu um fôlego maior para o otimismo atual, mundo afora. Os mercados reagiram claramente nessa direção. Por exemplo, o diferencial de juros entre os títulos de crédito de pior qualidade e os "investments grades" nos Estados Unidos se reduziu ainda mais e chegou a níveis históricos. Com isso, as taxas de risco dos papéis emitidos pelos países emergentes voltaram a cair, o que reduz o custo financeiro de governos e empresas. No caso brasileiro, o risco Brasil voltou a operar abaixo dos 400 pontos, abrindo caminho para novos recordes de baixa.
As Bolsas de Valores voltaram a se valorizar, basicamente no mundo emergente, inclusive o Brasil. O Índice Bovespa bateu novos recordes, principalmente quando calculado em dólares. Também reagindo na mesma direção, a taxa de câmbio do real voltou a valorizar-se, obrigando o Banco Central a voltar a sua política de "enxugar gelo". Principalmente porque, poucas horas após o depoimento de Greenspan, o nosso Copom decidiu por um novo aumento dos juros internos. Agora, é uma questão de dias para que o dólar passe a valer R$ 2,50 e voltemos à taxa de câmbio real da época do real forte do primeiro mandato de FHC.
Com a euforia que atingiu os mercados brasileiros após as palavras do presidente do Fed, o terrível desastre político, representado pela eleição do novo presidente da Câmara de Deputados, foi esquecido. Isso pode, entretanto, ter conseqüências importantes para nossa economia quando dias menos eufóricos forem vividos.

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