quinta-feira, fevereiro 24, 2005

Folha de S.Paulo - Janio de Freitas: A ciranda - 24/02/2005

Por menos que pareça, o governo Lula tem lógica, sim. Lógica até muito original. E hoje é um dos dias especiais em que tal lógica se comprova, contra qualquer dúvida, por palavras para os bons entenderemos e como fato para os incrédulos que se cansaram de palavras oficiais.
Hoje teremos manifestação desse ente fantástico identificado simplesmente como Copom, assim chamado por força da intimidade de que o jornalismo atual desfruta com outro ente fantástico. Este outro é o que no jornalismo tem o tratamento familiar de "mercado". Nada a ver com o que se tenha consagrado, ao longo de séculos do vernáculo, sob o nome de mercado. O "mercado" dos jornalistas brasileiros de economia é o eufemismo com que evitam, por múltiplas conveniências, usar denominações mais apropriadas para o pessoal da especulação financeira, para os que ganham dinheiro emprestando a terceiros o dinheiro de segundos, ou ganham com o dinheiro dos segundos e dos terceiros na ciranda financeira, e o mais que todos sabemos na pele, no bolso, na vida.
E o Copom? Ah, é o Comitê de Política Monetária. Um grupinho que se reúne para decidir o que já foi decidido por telefone entre o Banco Central e o Ministério da Fazenda. Mas aí é que estão o verdadeiro governo Lula e a sua originalidade.
O Copom reúne-se hoje para falar de juros ao país. Por isso os jornais têm mostrado, nos últimos dias, a expectativa que aguarda a revelação, logo mais, da "ata do Copom". Trata-se de um documento com várias finalidades. Uma delas, explicitar os motivos da última decisão sobre juros. No caso, o aumento -o sexto sucessivo- adotado na quarta-feira passada. O intervalo de uma semana parece refletir a agilidade mental do Copom, que, se fizesse um jornal, sairia como anuário.
Outra finalidade da "ata do Copom" é proporcionar uma interpretação um pouco mais ampla da situação financeira do país. O que o atual Copom faz com um propósito predominante: indica a tendência, para o próximo período regular, dos juros a serem fixados pelo Banco Central. Ou, na linguagem do jornalismo econômico muito econômico em jornalismo, indica se os juros estão em "viés de alta" ou "viés de baixa", e o leitor que se vire com esse viés iletrado. Pouco importa, "o mercado" entende, e pronto.
Feito o aviso oficial de aumento futuro dos juros, o que faz -por obrigação- o administrador privado que precisa operar com desconto de duplicatas nos bancos, com troca de cheques nos agiotas consentidos, com compra de matéria-prima e reposição de estoques comerciais? Protege-se com uma subida dos preços algo acima dos prováveis juros vindouros. Se não o fizer, estará recebendo no presente menos do que lhe convém para encarar, depois, os custos influenciadas pelos novos juros.
Aí está o original mecanismo alimentado pelo Copom: com o argumento de ameaça inflacionária, aumenta os juros e avisa que logo voltará a aumentá-los; com o aviso, inúmeros preços sobem; esses novos preços colaboram para sustentar ou aumentar a inflação; contra isso, o Copom aumenta os juros e, por ter ocorrido movimento ascendente da inflação, avisa para novo aumento em futuro próximo, e lá vai todo o circuito lógico outra vez, e outra vez, e -viva a inteligência econômica como a mais completa forma de economia da inteligência.

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