Em mais uma demonstração da incrível capacidade de seu governo de fabricar crises por iniciativa própria, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, num discurso eivado de intenções eleitorais, mas que acabou por se voltar contra ele próprio, afirmou ter preferido silenciar sobre supostos casos de corrupção ocorridos durante as privatizações realizadas pela administração de Fernando Henrique Cardoso.
Num desses pronunciamentos em que envereda pelo improviso e dá vazão à sua caudalosa retórica, o presidente informou ao país que "um alto companheiro", logo após assumir o comando de um órgão de grande importância, teria relatado que encontrara a instituição "quebrada" -e que "o processo de corrupção" anterior teria sido "muito grande". Segundo o presidente, ao ouvir o relato, aconselhou o colaborador a manter-se em silêncio: "Feche a boca e diga que a instituição está preparada para ajudar no desenvolvimento do país".
O "alto companheiro" é, como tudo indica, o economista Carlos Lessa, e a instituição é o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Lessa admitiu ter mencionado ao presidente operações malfeitas, mas negou ter conversado acerca de corrupção e do suposto estado pré-falimentar do BNDES.
Ao subir no palanque com tão desastroso discurso, o primeiro mandatário ficou em situação difícil. Se possuía informações sobre indícios de corrupção e preferiu ocultá-las, foi conivente. Se, no entanto, tais informações, como declarou Lessa, não lhe foram transmitidas, resta concluir que o pronunciamento de anteontem foi fantasioso. Nas duas hipóteses, o presidente expõe-se a críticas e justificadas condenações.
Na arena política, o episódio fornece à oposição farto material para assumir a ofensiva. O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), considerou que Lula confessou um "crime de prevaricação" e afirmou -num exagero- que o caso pode dar origem a um processo de impeachment. Um dos prováveis nomes do PSDB para concorrer à Presidência em 2006, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, classificou a declaração de Lula de "totalmente irresponsável". Por sua vez, o senador Jefferson Péres (PDT-AM), colocou em dúvida se o presidente estaria sóbrio no momento em que discursava.
Na tentativa de sair da defensiva, o governo procura contrastar a onda de ataques com a versão de que o silêncio sobre as supostas irregularidades visava a preservar a "governabilidade" -palavra mágica, sempre útil quando se trata de colocar panos quentes sobre crises políticas. Em outra frente, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, tratou de lembrar que existem ações judiciais contra a antiga diretoria do BNDES e que Lula, em outras épocas, já fizera denúncias sobre casos de corrupção nas privatizações -como se isso o dispensasse de tomar medidas como presidente da República.
Ao que parece, o presidente ainda não assimilou por inteiro a importância do cargo que ocupa e não aprendeu que as palavras do primeiro mandatário têm um peso bastante diferente das "bravatas" de um líder sindical em campanha. O mínimo que se pode esperar é que o Planalto forneça explicações claras sobre o que foi dito na quinta-feira.
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