Folha 19 02 2005 FERNANDO RODRIGUES
A piracema dos deputados
BRASÍLIA - É impossível prever com exatidão o efeito da eleição de Severino Cavalcanti para presidente da Câmara sobre a chance de Lula se reeleger em 2006. O sucesso do petista está atrelado ao desempenho da economia. Mas política e economia são estradas paralelas com vasos comunicantes entre si. Aí está o risco para o presidente da República.
Há fios desencapados no Congresso. Uma faísca qualquer pode causar um incêndio. Ato contínuo, param de tramitar os projetos de leis e de reformas. A Bolsa cai, o dólar e o risco-país sobem. A taxa de juros dispara. O crescimento -já medíocre para um país como o Brasil- fica ainda menor. O resto é história.
A chance de um deputado ser fotografado com um saco de dinheiro na mão é remota. OK, mas até Severino já fala em público ter ouvido a respeito desse tipo de indecência.
Numa comparação com o mundo animal, os congressistas estão na época da piracema. Parecem os grandes cardumes de peixes subindo o rio para a desova. Pulam para fora d'água para vencer a travessia. O Ibama proíbe a pesca nessa época. No Congresso, os partidos a estimulam. Se um ou outro acabar morrendo pela boca, nunca vai sozinho.
Como mostrou ontem a Folha, por dia, dois deputados mudam de partido. Roberto Freire (PPS-PE) sintetizou: "São os deputados pré-pagos". Entram numa sigla para servir a algum propósito -como engordar uma ala do partido que deseja obter algum cargo- e saem em seguida. Perdem a validade. Só funcionam com uma nova recarga.
Pela tabela divulgada por Severino, o valor de um deputado vai de R$ 15 mil a R$ 30 mil. Barato. Em 1997, pagava-se R$ 200 mil por cabeça.
Com preços módicos e deflacionados, não é à toa que a fisiologia corra solta. É o sucesso mais evidente do juro alto de Palocci para conter a inflação. Sem contar o benefício da inclusão social: muita gente que antes não podia agora já sonha tranqüilamente em ter o seu deputado próprio.