segunda-feira, agosto 16, 2004

AUGUSTO NUNES José Dirceu parece saudoso do Granma NO MINIMO

José Dirceu parece saudoso do Granma


14.08.2004 Nos anos vividos em Cuba, quando treinava para ser um tremendo guerrilheiro e tomar pelas armas o poder no Brasil, José Dirceu de Oliveira só lia o Granma. Até por faltar-lhe alternativa: na década de 70, se alguém quisesse ler jornal na ilha de Fidel Castro, era o Granma ou o Granma.
Qualquer cérebro com mais de três neurônios haverá de concordar: desde Gutenberg, poucos papéis impressos (incluídos prospectos de lançamentos imobiliários ou atas de reuniões de condôminos) conseguiram ser mais tediosos que o velho Granma. (De volta ao Brasil na primeira metade dos anos 70, Dirceu dedicava-se com evidente prazer à leitura do semanário que circulava em Cruzeiro do Oeste, interior do Paraná, onde viveu clandestinamente por muito tempo. O tablóide paranaense talvez lhe parecesse melhor que o similar cubano. Mas estou divagando).
A primeira página do Granma seguia meia dúzia de módulos básicos. Quase sempre, a manchete reproduzia frases de Fidel – ataques ao Grande Satã ianque, elogios a proezas decorrentes do esforço revolucionário, algo nessa linha. Nas grandes datas do regime, frases carregadas de pompas e fitas se conjugavam com imagens dos imensos comícios destinados a celebrar alguma vitória dos combatentes de Sierra Maestra. Nessas edições, ficava especialmente fácil preencher as páginas internas: bastava publicar a íntegra do discurso de Fidel. O palavrório nunca durava menos que cinco horas.
E havia também o módulo, utilizado com frequência aterradora para cabeças capazes de pensar, que incluiria para sempre o Granma entre os piores jornais de todos os tempos. Era a primeira página concebida para anunciar a chegada a Cuba de representantes de nações amigas, pertencentes ao bloco comunista liderado pela União Soviética, implodido a partir dos anos 80. Era um bloco e tanto: gordo e barulhento, reunia países cujos figurões pareciam apreciar com particular entusiasiasmo a ensolarada ilha no Caribe.
Além das comitivas que Moscou não parava de mandar, viviam desembarcando companheiros procedentes da Bulgária, da Polônia, da Hungria, da Tchecoslováquia, da Coréia do Norte, de vários pontos do império socialista. De vez em quando baixavam em Havana delegações de partidos comunistas de países ainda sob o jugo capitalista. O Granma não esquecia nenhuma, mas só as que estavam no poder valiam manchete.
Ilustrado pela foto do bando de forasteiros risonhos, cumprimentados por anfitriões com o rosto tomado por sorrisos tão amplos quanto as barbas, lá vinha o texto padronizado. O primeiro parágrafo registrava a relevância do evento. O segundo saudava a consistência dos laços fraternais que uniam visitantes e visitados. O terceiro parágrafo forjava aquela inverossímil contrafação da lista telefônica: uma relação interminável enunciava os nomes de todos, rigorosamente todos os recém-chegados. Imagine-se uma página inteira com dezenas, centenas de nomes coreanos, tão semelhantes quanto os de príncipes sauditas. Pois era assim a coisa no Granma.
São bem mais raras essas páginas, as velhas nações amigas viraram peças de museu. Mas o Granma não mudou na essência, como acaba de constatar José Dirceu. Premiado com alguns dias de descanso, o atual ministro, que acumula a chefia da Casa Civil com o posto de capitão do time de Lula, resolveu passar férias em Cuba. Reviu o jornal. Pode até ter confirmado que o semanário de Cruzeiro do Oeste é mais atraente. Mas também pôde conferir as vantagens da fórmula caribenha.
No Granma, jamais são publicadas notícias desagradáveis aos donos do poder. Críticas a Fidel? Nem pensar. Restrições ao regime, nenhuma. Denuncismo ali não tem voz nem vez. Diários assim até dispensam conselhos federais de jornalismo.
É com esse tipo de imprensa que sonham os governos. O governo de Lula e Dirceu também adoraria conviver só com filhotes do Granma.
Publicadoem: Mon, Aug 16 2004 6:32 PM

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