sábado, fevereiro 21, 2009

Japão Recessão, depois de duas décadas de estagnação

O PAÍS DA RECESSÃO ENDÊMICA

O Japão registra a pior queda do PIB em 35 anos, aborta
uma tímida tentativa de recuperação e vê seu ministro
das Finanças perder o cargo depois de um vexame público


Cíntia Borsato


Haruyoshi Yamaguchi/Landov


Yuriki Nakao/Reuters
DIREÇÃO PERIGOSA
Um ministro embriagado e pátio lotado de carros encalhados: sem saída para uma estagnação de duas décadas

Em 1968, um arquipélago asiático cujo território é pouco mais extenso que o de Mato Grosso do Sul alcançou o posto de segunda maior economia do planeta, atrás apenas dos Estados Unidos. A vice-liderança, que já dura quatro décadas, está agora sob ameaça. De acordo com as projeções mais recentes, o PIB da China vai ultrapassar o japonês em 2010. A rigor, trata-se de um registro apenas simbólico. A renda per capita do Japão, que tem uma população equivalente a 10% da chinesa, será superior à da China por muito mais tempo. Mas há algo que transpõe o efeito estatístico. Estagnada há praticamente duas décadas, a economia japonesa sofre mais intensamente os efeitos do atual vendaval financeiro. O país perdeu o seu único lume de dinamismo, que eram as exportações. As vendas externas do Japão caíram 14% no quarto trimestre de 2008. Como resultado, o PIB japonês contraiu-se 4,6% no período, o pior resultado em 35 anos. Nos Estados Unidos, epicentro do desastre financeiro, o PIB encolheu apenas 0,2%, e nos países da chamada zona do euro a queda ficou em 1,2%.

Para os japoneses, a retração da demanda mundial provou-se letal. Durante os cinco anos que precederam a crise financeira mundial, o país até havia conseguido voltar a crescer mais rapidamente. Por um momento, chegou-se a imaginar que o Japão reencontrara dinamismo e competitividade. Até que veio a crise. A indústria automobilística dá a dimensão do problema. De cada dez carros feitos no país, oito são exportados. Os pátios das montadoras (como o da Toyota, exibido na foto acima) estão repletos. A produção de veículos caiu 25% no mês de dezembro, contribuindo decisivamente para a retração de 10% na produção industrial como um todo – o pior resultado desde 1953. As exportações de máquinas e produtos eletrônicos também caíram acentuadamente. Atualmente, as exportações correspondem a 18% do PIB japonês, enquanto dez anos atrás a participação ficava em torno de 10%. Nos Estados Unidos, onde a economia se escora no mercado interno, as exportações respondem por apenas 8% do PIB.

O governo agora busca apoio político para lançar um pacote de estímulo econômico. Mas poucos apostam na sua eficácia, e é crescente o descrédito em relação ao primeiro-ministro, Taro Aso (apenas um em cada dez japoneses o aprova). Um dos principais problemas do Japão é a falta de instrumentos para combater a crise. "A taxa de juros já está próxima de zero, mas o consumidor japonês não vai às compras", explica Filipe Albert, economista da consultoria Tendências. Além disso, com dívida pública próxima de 200% do PIB, não há espaço para promover pacotes de estímulo fiscal. Hiroshi Hara, vice-presidente da Japan External Trade Organization, resume assim os dilemas de sua nação: "Os japoneses não sabem se terão emprego amanhã e se preocupam muito com a poupança e a aposentadoria".

Não fossem poucos os desafios, na semana passada o ministro das Finanças, Shoichi Nakagawa, foi flagrado com sintomas nítidos de embriaguez durante uma entrevista coletiva em Roma, após uma reunião do G-7 (grupo dos sete principais países industrializados). Em cenas que correram o mundo e podem ser vistas no YouTube, Nakagawa mal consegue articular frases. "Tomei um pouco de vinho e exagerei na dose de um remédio", tentou desculpar-se. Sem sucesso. Ele renunciou ao cargo na terça-feira.


Desemprego interrompe
o sonho dekassegui

Vítimas da crise, brasileiros que trabalham no Japão
perdem casa, emprego e são obrigados a tirar os
filhos da escola. Milhares já retornaram ao Brasil


Naiara Magalhães

Fotos Yoshikazu Tsuno/AFP e Roberto Setton
DESILUSÃO O ex-dekassegui Sérgio Shida reencontra
a família no Brasil, depois de oito anos no Japão. Abaixo, protesto brasileiro em Tóquio

Por oito anos o ex-projetista de ferramentas metalúrgicas paulistano Sérgio Shida, 42 anos, e sua mulher, Gisele, deram duro como operários em fábricas japonesas. O objetivo era ficar no Japão por dez anos, poupar o máximo e voltar para o Brasil com dinheiro suficiente para abrir um negócio próprio. A crise econômica interrompeu os planos do casal. No último dia 11, acompanhados dos dois filhos, Shida e Gisele desembarcaram em São Paulo com metade da soma que sonhavam trazer e a perspectiva de ter de usar parte dela para sustentar a família enquanto procuram emprego aqui. Não que tivessem opção. "Se continuássemos no Japão, ficaríamos sem recursos até para pagar as passagens de volta", diz Shida.

Os dekasseguis, ou trabalhadores temporários, foram as primeiras vítimas dos efeitos da recessão no Japão. Dos 317 000 brasileiros lá instalados, estima-se que entre 38 000 e 51 000 terão de retornar ao Brasil até o fim do mês que vem. A premência da volta não é resultado apenas da perda do emprego, que deve atingir pelo menos 30 000 brasileiros até março, quando termina o ano fiscal japonês. Boa parte dos dekasseguis vive com a família em apartamentos providenciados pelas empreiteiras que lhes arrumam trabalho – e que são responsáveis pelo repasse dos seus pagamentos. Como elas descontam diretamente dos salários o valor dos aluguéis, com o fim do emprego e do ordenado os dekasseguis perdem também o seu teto. Mais de 40% dos brasileiros desempregados, ou que cumprem aviso prévio, já saíram ou terão de sair de sua casa, segundo uma pesquisa da Associação Brasil Fureai, criada em dezembro para ajudar os dekasseguis. A maioria tem conseguido abrigo na casa de amigos e parentes. Outros são obrigados a dormir no próprio carro ou em barracas montadas nos parques.

"Pelo menos 38 000 dekasseguis deverão retornar ao Brasil até
o fim de março"

Metade dos filhos de dekasseguis matriculados em escolas brasileiras já foi forçada a deixar os estudos desde o início da crise, segundo a presidente da Associação das Escolas Brasileiras no Japão, Julieta Yoshimura. Carlos Iseki, desempregado desde outubro, decidiu em janeiro tirar da escola seus três filhos – de 10, 12 e 13 anos. Juntas, as mensalidades somavam 1 300 dólares – preço salgado demais para os 1 600 dólares que a mulher ganha preparando bentôs (lanches japoneses industrializados) e que agora são consumidos inteiramente com a prestação da casa, de 1 000 dólares mensais, alimentação e combustível para o carro. Boa parte desses imigrantes coloca os filhos em escolas brasileiras, todas pagas, por temer que, nas japonesas, as crianças sofram com o idioma ou sejam vítimas de preconceito.

Os primeiros dekasseguis originários do Brasil chegaram ao Japão na década de 80, quando a economia brasileira entrou em crise pela combinação perversa de inflação e estagnação. O auge do movimento migratório se deu no ano de 1990: o aumento da necessidade de mão-de-obra nas fábricas fez com que Tóquio estendesse a autorização de trabalho a filhos e netos de japoneses (no começo, apenas quem tivesse nacionalidade japonesa podia ser contratado). De lá para cá, o crescimento do número de trabalhadores brasileiros no Japão foi quase sempre contínuo. Até o início da crise, especialistas avaliavam que ao menos parte deles caminhava para deixar a condição de migrante temporário e fixar raízes no arquipélago. Agora, ficou bem mais difícil.

Na semana passada – depois de manifestações organizadas por grupos de dekasseguis para reivindicar assistência e protestar contra as demissões nas fábricas –, o governo japonês anunciou a criação de um comitê dedicado a cuidar exclusivamente dos problemas dos estrangeiros afetados pela crise. Entre as medidas prometidas estão a facilitação do ingresso de crianças estrangeiras em escolas públicas japonesas, a organização de cursos de japonês para melhorar a qualificação dos candidatos a novos postos de trabalho e a disponibilização de apartamentos para desempregados, com aluguéis subsidiados. As providências deixaram os dekasseguis mais esperançosos. Mas, para os milhares de brasileiros que, como Shida, tiveram de deixar para trás anos de sonho e sacrifício, elas chegaram tarde demais.