domingo, novembro 25, 2007

Estadão entrevista Ronaldo Sardenberg

''Desafio da Anatel é olhar para a frente''''

Presidente da agência diz que é preciso ter mais abertura para o que se passa em desenvolvimento tecnológico no mundo

Gerusa Marques


O presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), embaixador Ronaldo Sardenberg, defende que seja preservada como atribuição da agência o poder de conceder outorgas de serviços de telecomunicações. Em sua primeira entrevista exclusiva depois de cinco meses no comando do órgão regulador, Sardenberg disse ao Estado que a Anatel ficaria enfraquecida se fosse aprovada no Congresso a proposta do governo de passar o poder concedente para o Ministério das Comunicações.

O embaixador avalia que cada agência reguladora tem suas características próprias e que elas não deveriam ser tratadas em uma única lei. Ao completar 10 anos de sua criação, a Anatel tem o desafio agora, segundo Sardenberg, de "olhar para a frente", acompanhar o desenvolvimento tecnológico, mas sem perder sua função principal de promover equilíbrio entre governo, empresas e usuários.

O sr. defendeu, na comemoração dos 10 anos da Anatel, a necessidade de melhorar a qualidade dos serviços de telefonia. Como fazer com que isso aconteça de fato?

Essa marca do décimo aniversário é muito importante. Ela fecha um primeiro ciclo das atividades e abre espaço para se olhar para a frente. A qualidade tem um reflexo imediato nas queixas, que são em grande número e continuam a crescer ano a ano. Então, o que a Anatel pode fazer é, por meio de regulamentos, ir se dirigindo a questões fundamentais para os usuários, como a exigência da portabilidade numérica, que permite que o cliente leve o seu número de telefone para outra empresa. Isso se torna um incentivo para melhorar a qualidade e diminuir os preços.

Além de estabelecer regras, é preciso reforçar a fiscalização?

A fiscalização tem cumprido seu papel. Hoje temos 500 fiscais, em um quadro de 1.500 servidores. São 1.500 fiscalizações por mês, 550 mil horas por ano. Nós já começamos a dotar a fiscalização de meios modernos. Gastamos R$ 4 milhões, nos últimos meses, para dar a cada fiscal um laptop que permita a ele uma comunicação direta com seu órgão, para passar as informações.

Há recursos para isso no orçamento da Anatel?


Este ano está equilibrado, foram R$ 306 milhões. Mas eu sou 100% favorável a mais recursos para a Anatel e, naturalmente, continuarei a trabalhar nesse sentido no Ministério do Planejamento.

Há alguma saída para aumentar os recursos, usando, por exemplo, as taxas de fiscalização que são retidas pelo governo?


Esse é um assunto que está em pauta, precisamos encontrar soluções.

Quanto é necessário para o próximo ano?


O orçamento foi fechado em R$ 411 milhões. Mas, se formos entrar em um processo de aperfeiçoamento da Anatel, é previsível que iremos precisar de mais dinheiro. Nós estamos procurando fazer uma reorganização da Anatel, para pensar de forma mais ampla, além da estrutura. Se as coisas correrem bem, acho que em seis meses podemos começar a implantar esse projeto.

Que características devem ter essa nova Anatel?

A Anatel é uma organização sui generis, como todas as agências, e de difícil compreensão. Mas o fato é que a Anatel não é governo, é Estado, e deve continuar sendo Estado. Só se justifica nesses termos, como as outras agências. Mas ela tem de acompanhar o que o governo está fazendo, e ter capacidade de interlocução com os diferentes órgãos do governo, a começar pelo Ministério das Comunicações. A Anatel também tem a obrigação de manter interlocução com empresas, usuários, parlamentares, sindicatos. Para além disso, temos de ter mais abertura para o que se passa em termos de desenvolvimento tecnológico no mundo.

A agência estaria preparada para fazer reuniões públicas do conselho, como está previsto no projeto das agências reguladoras?

É muito possível, estamos estudando isso. Tenho uma simpatia pela idéia, mas também tenho certas dúvidas. A minha dúvida fundamental é a questão do contato com as empresas e do impacto na Bolsa de Valores, na cotação das ações. Esse é um setor em rápido desenvolvimento tecnológico e, conseqüentemente, é um setor muito nervoso. Qualquer palavra pode ter um impacto totalmente inesperado.

O governo tem insistido na idéia de que as agências não podem ser fiscalizadoras e poder concedente ao mesmo tempo. A proposta do governo de transferir para o ministério o poder de conceder outorgas tira a independência da Anatel?

Acho que é melhor examinar agência por agência. Por exemplo, aqui na Anatel nunca ninguém me alertou para o fato de que existiu um conflito entre outorga e fiscalização. Acho que o grande problema que temos em relação às agências é justamente tratar de temas fundamentalmente diferentes, do ponto de vista econômico, político, social e tratar tudo como "as agências".

É importante que a Anatel continue sendo o poder concedente de serviços de telecomunicações?

É importante porque é um momento positivo no processo negociador implícito que existe entre a Anatel e as empresas. É um momento criativo para a Anatel, em que a agência pode colocar em pauta questões que, de outra forma, não constariam das discussões.

Passar essa atribuição para o ministério enfraquece a agência?

Qualquer coisa que represente menos em uma soma de atribuições significa enfraquecimento. Se sair a fiscalização ou a universalização, a agência fica enfraquecida. A agência tem um conjunto de atribuições que tem funcionado e guardado uma certa harmonia. Não tive até agora nenhum caso de conflito entre diferentes atribuições da agência.

Qual a expectativa para o leilão de 3.ª geração da telefonia celular?

É muito positiva. Acho que a solução alcançada é brilhante. Baixar o preço mínimo, casar áreas rentáveis com áreas não rentáveis. Esse modelo é um bom exemplo do que a Anatel pode fazer, inclusive para promover a competição e a universalização. É, como se fala aqui, o filé com osso.

Estamos falando da universalização dos celulares. Como promover a universalização na telefonia fixa? A criação de uma empresa nacional com a fusão entre concessionárias pode ser a solução?

Esses assuntos acabam desembocando no conselho e em um voto, por isso evito comentá-los. Claramente, não cabe à Anatel tomar uma decisão. Acho que empresa nacional é uma idéia muito embrionária, não é uma idéia final. Tem de imaginar que as empresas queiram.

Existe alguma iniciativa no Anatel para se discutir o assunto?

O que começou agora foi o processo inicial de renovação dos contratos das fixas, que é um processo que dura três anos. Tem de fazer uma consulta pública 24 meses antes da renovação, prevista para fim de 2010. Estamos fazendo uma série de reuniões.

O sr. está cotado para assumir o ministério das Comunicações se o ministro Hélio Costa sair?

Nunca ninguém me disse nada, nem insinuou. Todas as insinuações que eu tenho recebido até agora são de permanecer na Anatel.