domingo, novembro 25, 2007

DANIEL PIZA

Arranhando Manhattan


Depois dos atentados de 11/9/2001, algumas velhas críticas aos arranha-céus ressurgiram com força, como se eles fossem o símbolo da arrogância americana e, como tal, parcialmente culpados por provocar a inveja em gente como Osama Bin Laden, que deplora o modo de vida ocidental, materialista e libertário. Bem, a notícia é que Nova York continua a produzir ''''skyscrapers'''' e celebrá-los. Desde a queda das torres do World Trade Center, obras de grandes nomes como David Childs, Cesar Pelli e Norman Foster foram inauguradas em Manhattan; Jean Nouvel, no momento, desenvolve um que ficará ao lado do MoMA; o de Renzo Piano para o New York Times na Oitava Avenida, com 52 andares, está quase pronto; e, no grande arranhão do ''''ground zero'''', aparecerá a partir de 2008 a bela torre evanescente de Daniel Liebeskind.

Vi quase todos nos cinco dias que passei em Nova York na semana passada. O de Foster para a Hearst na rua 57 oeste, por exemplo, é como um origami, um cubo de superfície chanfrada, que dialoga com o estilo art déco, marcante em Nova York. Este estilo tem tudo a ver com a história dos arranha-céus, com seu boom nos anos 20 e 30: tratava-se de adaptar o cubismo que transformava a pintura e a escultura para o mundo da arquitetura e do design. Por sua combinação de ornamentos elegantes com volumes geométricos, não à toa está de volta à moda - e foi homenageado, entre outros, por I.M. Pei em seu prédio do hotel Four Seasons, de 1993. Quem pensa na arquitetura do arranha-céu como um mero retângulo de vidro e aço em pé, interessado apenas em espantar pela altura, perde a graça. De Mies van der Rohe até Liebeskind, ele busca o contraponto entre tamanho e leveza, entre verticalidade e afetuosidade.

A frase de Tom Jobim, que dizia que Nova York era para admirar deitado em uma maca, é divertida, mas parcial. O que admiro é justamente o fato de que, apesar de todos esses prédios altos, na maioria sem recuo em relação à calçada, o olho se apraz tanto nas vastas perspectivas como na escala humana, no macro como no micro, no interior como no exterior, no passado como no presente - o que é marca das belas metrópoles. Os arranha-céus não formam um paredão, mas uma seqüência rica também em degraus, reentrâncias e vazios. Cores e materiais são diversos, e no entanto o conjunto se harmoniza em grande parte por causa do trabalho dos arquitetos, que, ao contrário do que se vê em São Paulo, criaram sempre de olho no entorno, na identidade daquele trecho urbano, e rejeitaram a grandiloqüência para alcançar a grandeza.

Desconfiança de prédios muito altos é recorrente na análise de arquitetura, como em Lewis Mumford, mas acho que o holandês Rem Koolhaas foi quem viu melhor o pulo do gato em seu livro Delirious New York. O objetivo não é profano, não é perfurar o céu que nos protege, como se teme desde os poetas românticos (não, não foi Drummond nem Caetano o primeiro a imaginar Nova York destruída por sua ambição); também não é sagrado, não é encarnar um ideal coletivo, como John Ruskin interpretava as torres góticas (ainda que em alguns haja o sabor de utopia modernista). É uma combinação entre o material e o ideal, a qual está na raiz da formação americana e ao mesmo tempo seduz o mundo desde que é mundo. Há muita coisa a criticar no ''''american way of life'''', assim como há muita que atrai. Já é hora de compreender qual é qual.



O que também chama atenção em Nova York é que, apesar das construções e agitações, ela conserva seus hábitos como seus patrimônios. Visitei a expansão do MoMA por Yoshio Taniguchi e, muito menos comentada, a da Morgan Library por Renzo Piano. Por mais famosos, esses arquitetos se puseram a serviço do prédio existente, com formas limpas e comedidas. Fiz também outros passeios que sempre faço, como à livraria Rizzoli e ao museu Metropolitan, embora não tenha dado tempo de ir à Frick Collection, um dos meus três museus preferidos de médio porte (com a Accademia de Veneza e o Cluny de Paris). Também me diverti no Algonquin, num show de Andrea Marcovicci, que interpretou canções de Rodgers & Hart com a espirituosidade verbal que merecem. O circuito cultural de Nova York ainda não tem igual.

Andrea Marcovicci contou que na Nova York dos anos 20 e 30 havia mais de 80 musicais por ano e que hoje há uma dúzia. E ainda estão em greve... Em Hollywood os roteiristas também estão parados em protesto pela desigualdade de ganhos. Nos EUA, tanto roteiristas de filmes e musicais como jornalistas de revistas como a art déco New Yorker se classificam como escritores e têm a Writers Guild of America para defendê-los. Me pergunto se os autores brasileiros se reuniriam para algo que não fosse uma cerimônia de premiação. No Brasil, ser rigoroso é ser chato. Os nova-iorquinos estão fulos com os resultados de leitura e matemática nas escolas públicas, por exemplo. Por que pioraram? Não; porque melhoraram pouco. Eis a diferença.

Quem andou na véspera de Thanksgiving (o feriado de 22 de novembro) pela Quinta Avenida, toda decorada para o Natal, não imagina como a economia do país pode estar em desaceleração, com tantas ruas e lojas lotadas. Na incrível loja da Apple, com produtos de tecnologia cada vez mais poderosos e baratos, mal se podia caminhar. Algumas marcas, como a Victoria''''s Secret, entraram numa rota de popularização que tem desagradado aos clientes mais exigentes e lançado uma série de teses a respeito da paradoxal ''''democratização do luxo''''. Mas a desaceleração está aí. A rede Starbucks, por exemplo, anunciou que a venda de seu produto mais popular, o café latte, está em queda. E o consumo - cujo apelo psicológico é a variável da equação menosprezada por Marx em sua visão classista do capitalismo - é o combustível da economia americana. Mesmo assim, confio na sensação de ser uma crise mais conjuntural do que estrutural.

Não que alguém saiba o que fazer para conter a queda do dólar e o estouro de bolhas. Vi pela TV o debate dos democratas, dia 18, em que Hillary Clinton, adversária a ser batida, foi duramente contestada por Barack Obama e John Edwards, além dos demais, em temas como previdência e imigração. (O número de bebês nascidos de sobrenome García, segundo o New York Times, já é o mesmo que os de Smith.) Mas as diferenças aparecem como ênfases pontuais; nenhum democrata parece ter claro o que fazer, afora deixar gradualmente o Iraque e estimular a economia com investimento público. Não sei se isso bastará para bater Rudolph Giuliani, o ''''mister 11/9'''' (senhor 11 de setembro, por sua atuação como prefeito no dia dos atentados), republicano com tintas democratas. De qualquer modo, estou com os dizeres de uma camiseta que vi numa feirinha de rua do Village: ''''Alguém menos estúpido para presidente.''''

CADERNOS DO CINEMA


Não é que um filme precisa estar à altura ou transplantar por inteiro um livro; mas, se faz uso do livro, o filme precisa partir dele com consciência de sua grandeza. Em Lady Chatterley, de Pascale Ferran, há algumas liberdades com o romance de D.H. Lawrence (a segunda versão, Lady Chatterley e o Homem do Bosque) que são bem-vindas, inclusive a alusão à contracultura na cena ''''flower power'''' do trecho mais vivo do filme. Mas este trecho demora demais: antes há muitas cenas redundantes, de escassos diálogos, de tal forma que quando a liberação vem o espectador atual se pergunta: tanta espera para isso?

O livro foi chocante em sua época, a tal ponto que o processo que o tirou da censura nos EUA em 1963 se tornou referência célebre em poema de Philip Larkin. Só que há uma intensidade em Lawrence, uma perturbação pós-romântica combinada a um detalhismo descritivo, que não temos como não lembrar ao ver essa adaptação francesa e suas cenas de sexo convencional e suave, rendidas ao clichê da ''''mulher rica e travada que encontra o amor com um homem rústico e sensível''''. A atriz, Marina Hands, não tem nenhum rasgo de malícia no olhar. É como se a diretora visse nisso um problema.

POR QUE NÃO ME UFANO


Bem que o tema dos arranha-céus e sua relação com a vida urbana poderia ser o da Bienal de Arquitetura de São Paulo, em cartaz no Pavilhão do Ibirapuera. Mas não que o tema da atual - a relação entre público e privado - seja efetivamente debatido na exposição. A montagem deixa a desejar, principalmente dos brasileiros: uma série de corredores com painéis dos projetos, às vezes com maquetes à frente. Tem a graça de folhear um folder de anúncios. Algumas delegações estrangeiras, como a portuguesa, a alemã e a francesa, foram muito mais criativas em seus estandes. Além disso, fica clara a pobreza de bons projetos públicos no Brasil, onde os poucos que existem são entregues aos mesmos de sempre. O espaço menos tedioso é o de Niemeyer, que não está no pavilhão mas sob a marquise. Vai bem mal a Fundação Bienal.