domingo, outubro 28, 2007

Estadão entrevista Armínio Fraga

''Há uma revolução capitalista no Brasil''''

Fernando Dantas, RIO


Aos 50 anos, o investidor Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central (BC), acha que o Brasil está passando por uma "revolução capitalista". Há quatro anos e meio à frente da Gávea Investimentos, no Rio, que hoje conta com 100 pessoas e administra R$ 10 bilhões, ele vê a pujança do Novo Mercado e a abertura de capital da Bovespa como marcos desse novo momento. Para Armínio, o canal do mercado de capitais no Brasil está finalmente funcionando, dando aos negócios a possibilidade de buscar capital para as suas diversas etapas - desde o surgimento de boas idéias nas universidades até a abertura de capital na bolsa, passando pelos investimentos dos chamados fundos de "private equity", especializados em comprar participações em empresas.

Na Gávea, há dois fundos de private equity que se aproximam desse modelo, mas que ele prefere chamar de fundos de longo prazo. Eles têm um total de US$ 1,5 bilhões, basicamente de investidores institucionais estrangeiros, como universidades americanas. Ainda há pelo menos US$ 420 milhões a investir.

Esses fundos já compraram participações minoritárias em cerca de 15 empresas, como a T4F, de entretenimento; a Fazenda Ipanema, produtora de cafés sofisticados; a Multiterminais, maior operadora do porto do Rio; Aliansce, de shopping centers; a franquia do McDonald?s na América Latina; e a BRA, empresa aérea que vem passando por um fase problemática (e onde a participação é bem pequena, segundo Armínio).

Na divisão de trabalho na Gávea, o ex-presidente do BC ainda dedica a maior parte do seu tempo aos fundos multi-mercados (ou "hedge funds"), que buscam altas rentabilidades em aplicações em ações, títulos, câmbio e derivativos. Ele também participa ativamente dos fundos de longo prazo, mas seu primo Luiz Fraga, sócio e co-fundador, é quem fica mais tempo dedicado a essa área. Amaury Bier, ex-membro da equipe econômica de FHC, que tocava a área de gestão de patrimônio da Gávea, acaba de assumir o posto de presidente da empresa. A seguir, a entrevista:

Por que vocês preferem comprar participações minoritárias nos seus fundos de longo prazo, e não o controle?

É uma estratégia diferente da de outros fundos, e que nos parece ser tão interessante quanto qualquer outra. É uma certa novidade aqui no Brasil, onde sempre houve muito medo de investir como minoritário, por causa do risco de má governança, de má gestão, em certos casos até de fraude e de desvio de dinheiro. Hoje, o País está avançando, está evoluindo, e está ficando mais claro que isso não é um jogo de soma zero. Então, nós temos feito investimentos que são minoritários mas que são protegidos em parte por acordos de acionistas e em parte também pelos incentivos que essa onda capitalista está criando aqui no Brasil.

Que "onda capitalista" é essa?

É a globalização chegando ao Brasil cada vez mais. Com a estabilidade, e a queda dos juros, o foco está saindo do curto prazo. E há essa mudança de cultura, que é exemplificada claramente pela criação do Novo Mercado na Bovespa que, aliás, acabou de abrir o seu próprio capital. São dois movimentos que, a meu ver, marcam a chegada definitiva do capitalismo no Brasil.

Por quê?

O Brasil era uma economia fechada, estatizada, muito concentrada, com grupos familiares dominando a maioria dos setores, ou concorrendo contra multinacionais. E havia pouco espaço para uma trajetória clássica onde um negócio surge, começa a crescer, a se desenvolver, e a partir de um determinado momento precisa de capital para crescer mais. Mas, no Brasil, nem sempre havia esse acesso ao capital. Agora começou a se ver uma certa cadeia alimentar financeira. Como há uma bolsa gerando oportunidades e fornecendo capital às empresas de um certo tamanho, ficam interessantes também os negócios chamados de private equity, ou fundos de capital privado, que investem em empresas ainda não preparadas para ir para a bolsa, mas que tem esse potencial.

E por que é tão interessante?

Porque quem investe em uma empresa, em uma participação privada, sabe que, se o negócio der certo, ela poderá ser listada na Bolsa, e com isso pode haver a realização (venda) a um preço. A existência dos fundos privados também estimula a criação de veículos de capital de risco, chamados de "venture capital". Isso pega, por exemplo, as empresas que saem de idéias desenvolvidas na academia, que precisam de um pouquinho de capital para dar certo. Numa segunda etapa, elas precisam de um pouco mais de capital, e vão aos fundos de capital privado. Numa terceira etapa, podem precisar de mais capital e vão para a bolsa. Essa pirâmide no Brasil estava entupida, e é por isso que não se tinha acesso a capital. Muitas empresas eram fadadas a não crescer. Agora, esse canal está aberto, e está funcionando magnificamente.

O que causou esta mudança?

É claro que depende de uma evolução ampla da nossa economia, depende de taxas de juros mais baixas, depende de mudança nos padrões de governança, tanto das empresas quanto dos investidores, depende de uma regulação melhor e mais moderna que vem se desenvolvendo no Brasil nos últimos anos, do fortalecimento da lei das S A, do fortalecimento da CVM, e assim por diante. Essas sementes foram todas plantadas e, de repente, quando o ar clareou e as coisas se acalmaram, isso deslanchou, num momento de grande crescimento da economia mundial, de grande integração financeira. E o Brasil entrou nessa revolução capitalista. Nesse ano, já foram realizadas operações de abertura de capital na Bolsa de aproximadamente R$ 45 bilhões. No ano passado, foram R$ 29 bilhões. É muito dinheiro. Então, a Bolsa não é mais vista como um cassino onde alguns mais espertos se aproveitam dos outros. Agora passou a ser um centro gerador e alocador de poupança, como deveria ser.

Quais as conseqüências disso para o País?

Vai gerar mais e melhores investimentos ao longo do tempo. O mercado, embora tenha os seus momentos de euforia, na média é bastante rigoroso e não aceita desaforo. Eu acho que vai ter um impacto qualitativo importante e que já está tendo um impacto quantitativo também, no volume de investimentos.

E o sr. acha que com isso a economia pode crescer mais?

Com certeza. É um indutor que ajuda. Mas não substitui educar melhor o nosso povo, não substitui continuar aprimorando o arcabouço regulatório, para ter mais investimento em infra-estrutura e assim por diante. O lado da oferta precisa de um pouco de atenção. Reforma tributária, reduzir o crescimento explosivo do gasto público, este tipo de decisão que alguém vai ter que tomar em algum momento. O Brasil poderia estar crescendo muito mais. Está crescendo hoje 4,5%, mais ou menos, num momento de grande crescimento global. O Brasil poderia crescer de 6% a 8% ao ano. Mas, para isto, é preciso que haja investimento para melhorar a qualidade da Educação, como, aliás, o atual ministro da Educação sinalizou. E é preciso investir mais em infra-estrutura, que não depende só do governo, que não tem muito dinheiro e em muitos casos sequer tem a competência para fazê-lo.

O Brasil está tocando esta agenda para fazer o crescimento sair de 4,5% para a faixa de 6% a 8%?

Não. Precisamos criar condições para que tenhamos taxas de juros mais baixas, e isso depende de um esforço importante na área fiscal, e no gasto público estamos caminhando na contramão. Os juros reais caíram bastante, mas taxas de 7% em termos reais ainda são taxas ainda muito altas. No México é 4,2%, no Chile é pouco mais de 3%.

Como o sr vê a volta da euforia aos mercados globais, depois do susto das turbulências nos mercados imobiliário e de crédito?

Minha visão de médio a longo prazo é positiva. O mundo está trabalhando mais, estudando mais, se integrando mais, sendo mais capitalista, e isso faz com que esse período que estamos vivendo, desde a queda do muro de Berlim, seja talvez um período com potencial equivalente ao do padrão ouro, de 1870 até a primeira guerra, que foi de extraordinária prosperidade. No prazo bem mais longo, eu vejo riscos ambientais, geopolíticos, de epidemias e coisas do gênero. A curtíssimo prazo, acho o mundo um pouquinho animado demais, ao mesmo tempo em que os sinais, principalmente dos mercados de crédito são preocupantes. Parece provável que a economia mundial desacelere um pouco. Existe algum risco de turbulência, mas é algo que a meu ver vai ser passageiro. Perigoso, sem dúvida, mas passageiro. As bolsas no mundo subiram bastante e não estão mais baratas. Em alguns casos, como a China, estão em bolha, e podem cair bastante.

O Fed (Federal Reserve, banco central americano) voltará a cortar os juros na sua próxima reunião?

Em geral, eu não me arrisco a fazer adivinhação de curtíssimo prazo. Mas espero que ainda haja alguma redução de juros nos Estados Unidos.

Como o sr. viu a interrupção da queda da Selic (que está em 11,25%) pelo Copom (Comitê de Política Monetária)?

Foi uma parada técnica. A demanda vinha crescendo num ritmo maior do que a oferta, em parte refletindo os problemas da oferta, como os gastos públicos. Mas o Banco Central reduziu os juros quase pela metade. Como os efeitos da política monetária não se fazem sentir da noite para o dia, é normal o BC de vez em quando dar uma pausa para ver o que está acontecendo.

E a valorização cada vez maior do real? Qual a sua opinião?

O câmbio tem sido empurrado para baixo por uma série fatores: um saldo positivo, embora decrescente, na conta corrente; e um saldo positivo na conta de capital, que inclui recordes de investimento direto e esses números extraordinários na Bolsa, onde três quartos dos lançamentos de ações são adquiridos por estrangeiros. O terceiro fator é uma taxa de juros que, embora tenha caído pela metade, ainda é relativamente alta em relação ao resto do mundo. Então são três variáveis empurrando o câmbio para baixo. O que dá uma certa tranqüilidade é que o câmbio é flutuante, então se por acaso as condições globais mudarem, se o saldo em conta corrente cair mais do que se espera, muito provavelmente o câmbio vai se depreciar. Não é um fator, a meu ver, de risco. O Banco Central, além disso, tem procurado suavizar esta valorização, acumulando quase US$ 170 bilhões em reservas, e é difícil prever até onde isso vai.


Quem é:
Armínio Fraga


É Ph.D. em Economia pela Universidade de Princeton, nos Estados Unidos.

Ocupou a presidência do Banco Central de março de 1999 a janeiro de 2003.

Além de sócio da administradora de fundos Gávea Investimentos, que fundou em 2003, é membro do Conselho de Administração do Unibanco desde janeiro de 2004.