sexta-feira, novembro 24, 2006

Tristes trópicos



Artigo - João Mellão Neto
O Estado de S. Paulo
24/11/2006

A revista Veja desta semana traz uma oportuna matéria sobre a crescente desimportância de nosso subcontinente no contexto mundial. Não soubemos, como a maioria dos países asiáticos, aproveitar a onda globalizante e, assim, nos valer da abundância de capital internacional para alavancar as nossas economias.

Mais uma vez fica provada a tese de que não sãos as riquezas naturais que garantem a prosperidade e o desenvolvimento das nações. O alemão Max Weber foi o primeiro pensador a ter a coragem de afirmar que fatores culturais (e religiosos) são muito mais importantes para determinar o sucesso ou o fracasso de uma sociedade. E fez isso em 1904, após visitar os Estados Unidos e publicar um livro, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, eleito pela crítica internacional, na virada do milênio, a obra mais importante de todo o século 20. Trata-se de um trabalho de fácil leitura e assimilação para os leigos, e ainda permanece atual. Em vez de amaldiçoar nossos irmãos do Norte, deveríamos tornar a leitura de Weber obrigatória em todas as nossas escolas. Quem sabe, assim, pouparíamos muito tempo e esforço na vã tentativa de entender por que os gringos são tão ricos, enquanto nós somos tão pobres.

A culpa não é dos “malvados ianques que nos exploram”. Quando muito, é de nós mesmos e do péssimo hábito que cultuamos de terceirizar a responsabilidade por nossas mazelas. O nosso próprio cancioneiro - seja o tango, a guarânia, o bolero, o sertanejo ou o samba-canção - é o mais eloqüente indício de que, para nós, a culpa de nossa infelicidade é sempre dos outros. Sejam eles as mulheres ingratas, os patrões prepotentes ou os garotos ricos que nos tomaram nossas namoradas. Tema recorrente é o do “hombre macho” que costuma encher a mulher de pancada e depois não entende por que ela o deixou. Não importam as situações e as circunstâncias: o fato é que, para nós, a culpa é, e será, sempre dos outros.

Eu bem me recordo de que, no início da década de 70, ainda jovem, visitei a Ásia e saí de lá horrorizado com a miséria que encontrei. Havia pessoas em Hong Kong, por exemplo, que, esqueléticas, desnutridas, passavam a vida sentadas nas calçadas. Durante a noite se deitavam ali mesmo e, no dia seguinte, voltavam a sentar-se. Seu único bem era a tanga esfarrapada que usavam e, se permaneciam vivas, era por que o governo, no meio do dia, distribuía um punhado de macarrão, que era devorado com as mãos. Lembro-me de ter ficado horrorizado com uma gigantesca favela flutuante que era composta por milhares de pequenos barcos, atracados uns aos outros, que formavam uma cidade de porte médio, com mais de 100 mil habitantes. As pessoas que lá moravam nasciam, cresciam e morriam sem nunca ter pisado em terra firme. Os poucos que se aventuravam a fazê-lo andavam como macacos. Simplesmente não sabiam andar eretos. Em Macau, então colônia portuguesa, não havia ninguém que falasse o nosso idioma e a miséria era ainda mais gritante. A situação na Coréia do Sul, na Malásia e na Indonésia, pelo que diziam, era muitas vezes pior. Isso para não falar na Indochina, na qual os Vietnãs e o Camboja estavam em plena guerra civil. O Sudeste da Ásia, sem dúvida, era a região mais pobre do mundo naquela época.

Eis que, hoje, aquela é a zona do planeta que mais cresce e se desenvolve. Enquanto isso, aqui, na América Latina, a impressão é de que o tempo não passou. A renda per capita, pelo menos, está praticamente estagnada há mais de duas décadas. Em termos de política - que, no final das contas, está por de trás de tudo -, quase nada evoluímos. Os argentinos continuam reverenciando Perón, os venezuelanos e bolivianos estão nas mãos de caudilhos populistas e ultranacionalistas, o Peru voltou para as mãos de Alan García, o sandinismo retornou ao poder na Nicarágua, Fidel continua mandando em Cuba e os jovens universitários de todo o continente, inclusive os brasileiros, ainda se deixam mesmerizar ante a esfinge “libertadora” de Ernesto Guevara. Ironia histórica esta. Ao menos nos tempos do Che, no auge da guerra fria, o resto do mundo, em especial os países ricos, ainda se preocupava com o que acontecia por estas plagas. A caçada ao líder revolucionário, nas selvas da Bolívia, foi acompanhada pela imprensa do mundo inteiro. Hoje em dia, nem sequer as enormidades de Chávez e Morales rendem uma manchete secundária de jornal. O mundo desenvolvido está com os olhos voltados para os países islâmicos. Economicamente, quem chama a atenção é a Ásia. Quando o tema é miséria e solidariedade humana, quem monopoliza as conversas é a África.

E quanto a nós, os briosos latino-americanos? Bem, o fato é que nós não existimos mais. Quando nossos embaixadores sobem à tribuna no plenário da ONU, o bocejo dos demais é geral. Somos inflamados, belicosos, verborrágicos e é só. Como entreouviu certa vez Roberto Campos, quando trabalhava na Organização, de diplomatas europeus: “Os latino-americanos são únicos. Eles despendem uma tonelada de palavras para alinhavar cem gramas de argumentos.”

Talvez seja esse, mesmo, o nosso maior defeito. A cultura bacharelesca, o floreio retórico, o cultivo da forma em detrimento do conteúdo, o discurso das intenções prevalecendo sobre a prática das ações: tudo isso é próprio do populismo na sua vertente latino-americana.

Ainda pranteamos a morte precoce de Evita, o suicídio dramático de Vargas e o coronel Chávez ainda arenga às massas cultuando Bolívar em pleno século 21!

Enquanto isso, o tempo passa. Enquanto prevalecer a nossa cultura fatalista, este será o nosso destino. “Não perguntes por quem os sinos dobram”, escreveu John Donne. “Eles sempre dobram por ti...”