terça-feira, setembro 26, 2006

Dora Kramer - Palavras ao vento e homens ao mar

dora.kramer@grupoestado.com.br

O salve-se quem puder que assola governo e PT desde a descoberta do dossiê com o qual o partido pretendia golpear seus principais adversários eleitorais, e ao qual se atribui a possibilidade de ocorrer segundo turno na disputa presidencial, assume ares de barafunda à medida da entrada em cena de novas versões para a história.

Os homens do presidente comprovadamente envolvidos no caso vão sendo aos poucos jogados ao mar, na tentativa de manter à tona cabeças ainda não coroadas com provas de participação no ilícito, enquanto palavras são lançadas de maneira atabalhoada ao vento sem a mínima preocupação com a coerência.

Até aí, o roteiro segue seu ritmo habitual. Portanto, não é de espantar que o mesmo presidente Luiz Inácio da Silva que disse ao Bom Dia Brasil na quinta-feira não acreditar na culpa de Ricardo Berzoini, atribuindo seu afastamento como coordenador de campanha a mera conveniência eleitoral, ontem tenha dito a três emissoras de rádio que Berzoini, como presidente do PT, é o responsável pelo 'bando de aloprados' envolvidos com a operação de compra, venda e publicação do dossiê.

Mas tudo começa a ficar muito confuso e estranho quando os ditos dados por não ditos (e vice-versa) exibem subordinados desautorizando o chefe. Enquanto o presidente dava a entrevista às rádios culpando Berzoini, a Folha de S. Paulo circulava com uma entrevista do novo coordenador da campanha, Marco Aurélio Garcia, dizendo que o nome de Berzoini foi envolvido 'de maneira irresponsável', tornou-se alvo de 'especulações políticas' e, por isso, foi inevitável seu afastamento.

Numa tradução livre, poder-se-ia dizer que Garcia considera o presidente um irresponsável. Mas, como não é isso o que ele pensa, muito menos o que diria, temos apenas um confronto de versões inconseqüente na forma, mas eloqüente no conteúdo: denota a ausência de argumentação consistente e coerente no núcleo do governo para responder às acusações.

Menos risonho e franco é o emaranhado de versões fornecidas para explicar a demora da identificação da origem do dinheiro apreendido em poder dos petistas para pagar o dossiê.

Uma hora divulga-se que já foram identificadas as contas dos saques, outra hora informa-se que não é bem assim, mais tarde o ministro da Justiça declara que o caso está 'praticamente esclarecido' (isso faz quatro dias), depois circulam 'informações' de que o dinheiro é fruto de doações de campanha, sugerindo que, de novo, será confessado o crime 'menor' de caixa 2, em seguida, contrariando expectativa divulgada pelo ministro, a Polícia Federal faz saber, por meio de 'fontes', que não será possível chegar tão cedo a uma conclusão.

E por 'cedo', entenda-se antes do primeiro turno da eleição, domingo próximo. Nada é dito na forma oficial, tudo é falado de maneira nebulosa e sempre tendo como referência, nas investigações, as eleições.

As fotos do dinheiro apreendido não foram divulgadas, segundo o ministro Thomaz Bastos, para não permitir 'exploração eleitoral' e agora sujeitos ocultos dizem que a origem do dinheiro não pode ser determinada antes do primeiro turno. Note-se que não se fala em dias ou semanas, a medida usada é a data do pleito.

Um cenário como esse, propositadamente construído para levar à confusão, ao choque de versões e, por conseqüência, à impossibilidade de entendimento claro por parte da população, indica tentativa de favorecimento do partido envolvido no episódio.

Se houvesse intenção de esclarecer, haveria coerência nas explicações, sentido lógico nos argumentos e uma posição oficial transparente dos órgãos de investigação subordinados ao governo. Como ocorre o contrário, só há uma conclusão: a idéia é obscurecer.

Caladinhos

Partido tido como esteio do possível segundo mandato de Lula, e apontado como provável detentor da maior bancada de deputados na Câmara, o PMDB entra mudo e sai calado do debate eleitoral, notadamente da discussão em torno do dossiê Vedoin.

Estão todos, do presidente do Senado aos integrantes da auto-intitulada ala oposicionista do partido, naquela situação em que o então líder no Senado e presidente do PMDB, Jader Barbalho, mandou que o senador Antonio Carlos Magalhães se mantivesse no célebre embate entre os dois, dia 5 de abril de 2000: 'Calado, caladinho aí.'

As exceções, os senadores Almeida Lima e Pedro Simon, apenas ressaltam a confirmação da regra do silêncio. O PMDB não defende nem ataca, só aguarda debaixo da cama a passagem do vendaval, na esperança de escapar ileso e se credenciar à ocupação de um latifúndio administrativo a partir de 2007.

A atitude do partido agora, antes da eleição, indica problemas para Lula, depois de eleito. Mostra que o PMDB no governo não será um aliado incondicional. Se seguir o lema do presidente do Senado, Renan Calheiros - 'Não tenho compromisso com o erro' -, Lula pode não encontrar arrimo na hora em que precisar de um muro onde se escorar.