sábado, julho 29, 2006

VEJA Tem índio na Suíça?


O presidente da Funai torra
dinheiro público em viagens
internacionais. Sua aldeia
preferida lá fora é Genebra


Antonio Cruz/ABR
Gomes: desde que assumiu a Funai, ele já foi dezessete vezes ao exterior

O antropólogo potiguar Mércio Pereira Gomes adora conhecer outras culturas. Há três anos, foi nomeado presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai). Desde então, tem viajado muito para ampliar seus conhecimentos sobre povos e etnias distantes. Seu principal objeto de estudo, no entanto, não têm sido as tribos do Alto Xingu ou de outras reservas indígenas. O que Gomes vem examinando com afinco são os hábitos dos moradores de Genebra, na Suíça. Para se aprofundar nessas análises, já visitou a cidade sete vezes desde que assumiu o órgão. Em média, dá uma passada por lá a cada cinco meses. No cargo, ele também esteve três vezes nos Estados Unidos, duas na Inglaterra e visitou cinco países da América Latina. No Brasil, seu destino preferido é o Rio de Janeiro, onde tem vários familiares. Gomes voou 118 vezes para lá. Tudo pago com dinheiro público.

O caso, revelado na semana passada pelo jornal O Estado de S. Paulo, levou o procurador Lucas Furtado, do Tribunal de Contas da União, a pedir a abertura imediata de uma investigação. Ele quer saber qual é a justificativa da fundação para ter torrado 252.000 reais na compra de 235 bilhetes aéreos emitidos em nome de Gomes nos últimos 35 meses. "A Funai terá de mostrar que todas as viagens foram feitas por razões profissionais. Já sabemos que a maioria delas, no entanto, ocorreu em fins de semana", diz o procurador Furtado. Depois que seus passeios foram revelados, Gomes decidiu se recolher. Por meio de sua assessoria, afirmou apenas que todas as vezes em que viajou à custa da Funai esteve trabalhando. Curioso é o fato de ele ter mais trabalho a fazer na Suíça que no Amazonas, estado brasileiro com a maior concentração de índios.

As viagens de Gomes são mais um exemplo do desperdício de dinheiro na Funai. No ano passado, o órgão dispôs de um orçamento de 118 milhões de reais. Apenas 30% desse valor foi gasto diretamente com pajés, caciques e curumins. O grosso do dinheiro ficou nas mãos do homem branco. Cerca de 80 milhões de reais foram usados para manter a estrutura administrativa da fundação. O quadro de funcionários mostra, ainda, uma série de deficiências. Há mais de uma década sem realizar concursos, a Funai não conta com biólogos, ecólogos nem com lingüistas. Não raramente, precisa recorrer a missionários evangélicos, para que sirvam como intérpretes em contatos com tribos afastadas. O órgão não responde mais pela saúde nem pela educação nas aldeias e não consegue garantir a proteção das reservas. Em vez de cuidar dos índios, a Funai é o paraíso de antropólogos como Gomes.