sábado, maio 27, 2006

Um déficit explosivo

EDITORIAL OESP

A cada mês torna-se mais evidente o erro cometido pelo governo
federal, ao desistir de aprofundar a reforma da Previdência Social. Em
vez de adotar medidas antipáticas e impopulares, mas capazes de dar um
mínimo de equilíbrio às contas do sistema previdenciário - como a
fixação de idade mínima para a aposentadoria -, que poderiam ter
reflexos eleitorais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva preferiu
medidas paliativas. E com isso o déficit da Previdência aumenta
sempre, assumindo proporções, digamos, catastróficas - já que o
secretário de Previdência Social, Helmut Schwarzer, evita usar a
expressão "explosivo".

O governo decidiu conter a progressão geométrica do déficit,
combatendo fraudes. Essa é uma providência necessária que, dado o
tamanho da máquina burocrática da Previdência e do número de
beneficiários do sistema, deveria fazer parte da rotina do INSS. O
dinheiro que escoa pelos furos da fraude é significativo, mas não se
compara com o déficit gerado por problemas estruturais.

Na melhor das hipóteses, a Previdência conseguirá uma economia de R$ 3
bilhões com o recenseamento de aposentados, que está excluindo
milhares de beneficiários fantasmas, e com maior rigor na concessão do
auxílio-doença. Ocorre que só o déficit do INSS esperado para o mês de
maio é de R$ 3,7 bilhões. Ou seja, a gatunagem precisa ser coibida,
mas não é ela que está levando a Previdência à bancarrota.

A Previdência, apesar das reformas feitas nos últimos dez anos,
continua sendo uma máquina de gerar prejuízos. Em abril, o déficit foi
de R$ 2,6 bilhões, 25,4% maior do que o verificado um ano antes. No
quadrimestre, o saldo negativo acumulado é de R$ 12,549 bilhões, 13,1%
maior do que o de idêntico período de 2005. No ano passado, o déficit
foi da ordem de R$ 38 bilhões. Este ano, a Previdência calcula que o
rombo chegará a R$ 45,8 bilhões - um aumento de mais de 20% em 12
meses. Bastante realista quanto à evolução das despesas, a Previdência
não trabalha o déficit estimado pelo Ministério do Planejamento, de R$
43,1 bilhões, no decreto de execução orçamentária.

O secretário de Previdência Social pode não considerar que o déficit
seja explosivo. Mas o fato é que ele continua sendo o maior fator
isolado de desequilíbrio das contas públicas. As reformas feitas
durante o governo Fernando Henrique e logo no início do governo Lula
reduziram, momentaneamente, o ritmo de crescimento do déficit. Mas
esses efeitos fiscais já não se fazem sentir, mesmo porque o governo,
preso a compromissos eleitorais, elevou o salário mínimo de R$ 260
para R$ 300, no ano passado, e para R$ 350, neste ano. Além disso,
houve um aumento de 5% das aposentadorias.

Esses aumentos beneficiam uma parcela considerável de trabalhadores
não qualificados e pelo menos dois terços dos segurados do INSS, que
ganham até um salário mínimo. A vinculação do salário mínimo aos pisos
de aposentadorias produz distorções socialmente perniciosas: se o
governo está prioritariamente preocupado com as finanças públicas, não
pode decretar um salário mínimo digno para os trabalhadores; se a sua
preocupação é primordialmente social, a elevação do salário mínimo
arrasa as finanças públicas. Neste último caso enquadra-se o governo
do presidente Lula que, por ter-se dedicado integralmente à reeleição
desde que assumiu o mandato, nunca se preocupou em propor ao Congresso
a desvinculação do salário mínimo dos benefícios da Previdência.

O resultado dessa situação é uma conta que não fecha nunca. De janeiro
a abril, o saldo líquido de empregos com carteira assinada, ou seja,
de pessoas que contribuem para o INSS, foi de 569.506 vagas - o melhor
resultado desde 1992, que deveria se refletir positivamente nas contas
da Previdência. Mas o que se teve foi um aumento do déficit da ordem
de 13,1% em relação ao mesmo período de 2005.

As despesas previdenciárias correm à frente da receita numa velocidade
vertiginosa. Quanto mais tarda o governo para propor uma reforma
radical da Previdência, inclusive cortando os privilégios que restaram
ao funcionalismo do setor público, mais difícil será atingir o
equilíbrio das contas públicas, condição indispensável para que o
Estado readquira a sua capacidade de investimento em nossa
infra-estrutura, cujas deficiências inibem o crescimento da economia.