quarta-feira, julho 27, 2005

Luiz Weiss O iogurte do senador e a "coisa da História"



 

No bate-boca com o líder tucano no Senado, Arthur Virgílio, sobre a revelação, no Globo de ontem, dos repasses de Valério para 70 candidatos do PSDB mineiro na eleição de 1998, o senador Aloizio Mercadante, fez uma frase que tem tudo para ficar famosa.

"Corrupção não é iogurte", disparou o líder petista com absoluta precisão. "Não perde a validade".

Mercadante reagia à conveniente tese tucana de que o que interessa é apurar as maracutaias do PT: o resto pode esperar.

Para os petistas, o resto inclui principalmente a compra de votos para a emenda constitucional da reeleição de Fernando Henrique – um episódio que o PFL abafou em dois tempos com a competência profissional que os Delúbios do PT estão a anos-luz de ter.

Tudo bem que os tucanos queiram bicar até sangrar o partido do presidente, "sem pôr lenha na fogueira, mas também sem pôr água na fervura", nas palavras tamanho único de Fernando Henrique, destacadas nos jornais de hoje. Mas beira o deboche ele dizer, como o citou o Globo: "O que aconteceu no passado, no meu governo, é coisa da História".

Em outras circunstâncias, o contraste com o tiro certeiro de Mercadante seria de fazer corar o ex-presidente, se é que isso faz o seu gênero. Mas é o PT que está pendurado pelos pés, tendo de provar, contra as evidências que se acumulam a cada novo documento examinado na CPI e a cada nova apuração da mídia, que o mensalão (ou coisa que o valha) não existiu – e, se existiu, não foi coisa sua.

O ex-ministro Dirceu, por exemplo, encenou ontem uma farsa em três atos. Primeiro ato: não me lembro de ter tido as reuniões com os banqueiros do Rural e do BMG de que falou na CPI a mulher de Valério. Segundo ato: acabei de lembrar, as reuniões aconteceram. Terceiro ato: aconteceram, mas não foi para falar dos empréstimos ao PT [intermediados e avalizados pelo bom Valério].

Decerto, ele não esperava topar com o seguinte furo de reportagem, de Bernardo de la Peña e Ilimar Franco, no Globo de hoje:

"Na condição de chefe da Casa Civil, o deputado José Dirceu (PT-SP) recebeu em seu gabinete no Palácio do Planalto os principais dirigentes dos dois bancos que fizeram empréstimos diretamente ao PT e repassaram dinheiro por intermédio de Marcos Valério, responsável por pagamentos feitos a deputados da base aliada. Além de receber para um almoço no dia 20 de fevereiro o presidente do BMG, Flávio Guimarães, três dias depois de o banco ter feito um empréstimo de R$ 2,4 milhões ao PT, Dirceu recebeu no dia 7 de agosto a presidente do Banco Rural, Kátia Rabelo, às 15h. O Rural deu empréstimo de R$ 3 milhões ao PT no dia 14 de maio de 2003. Dirceu recebeu Katia cinco dias antes de vencer o empréstimo, do qual Valério foi avalista, que teria de ser pago em 12 de agosto de 2003."

Se tudo acabar em Dirceu, Lula e o PT poderão se dar por felizes.

O estranho decreto dos patrocínios

O Estado diz que "antecipou ontem" que os R$ 70 mil depositados em março de 2004 na conta da Associação dos Juízes Federais da Primeira Região (Ajufer), de Brasília, saíram da SMPB de Marcos Valério.

A Folha também deu a história desse e de outros depósitos, entre os quais o de R$ 500 mil para a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong). Diferentemente do Estado, deu até o que disse a respeito o presidente da ONG das ONGs, Jorge Saavedra [ver abaixo "O BMV toma conta de você"].

Do que o Estado pode-se vangloriar é de ter aberto sozinho, hoje, o estranho decreto 4.799, assinado pelo presidente Lula e pelo então ministro Luiz Gushiken em agosto de 2003.

O decreto tem tudo a ver com esses depósitos. Pode ter a ver com o que pode estar embutido em outros, da mesma valeriana procedência.

Diz o decreto que toda a publicidade da administração federal se fará obrigatoriamente por meio de agências do ramo. Até aí, tudo bem. O problema é que o conceito de atos publicitários do Planalto abrange promoções institucionais e mercadológicas, "incluídos patrocínios".

Isso significa que o dinheiro para esse fim, como o que beneficiou, entre outros, a Ajufer e a Abong, não pode sair diretamente da Petrobrás, do Banco do Brasil ou dos Correios, por exemplo. Vai deles para as agências com as quais têm contratos de publicidade, e destas para os beneficiários.

Daí porque o dinheiro pedido pela Ajufer aos Correios para bancar um evento da entidade saiu da estatal e fez escala na SMPB de Valério. Idem em relação ao dinheiro pedido pela Abong aos Correios para cacifar o Fórum Social de Porto Alegre.

No ano passado, segundo o Estadão, os Correios repassaram R$ 2,3 milhões para a agência de Valério transferir aos patrocinados.

Se eu prestasse serviços de propaganda para algum órgão federal do porte dos Correios e operasse no ramo de lavanderias, o decreto seria mais do que uma mão na roda.

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