domingo, agosto 15, 2004

CLÓVIS ROSSI

Os áulicos e os fatos


SÃO PAULO - O ministro Ciro Gomes deu, na quinta-feira, notável demonstração de bom senso e ponderação com a seguinte declaração: "Qualquer brasileiro desempregado, qualquer dona-de-casa assustada com a violência, qualquer estudante frustrado porque não consegue uma boa escola ou qualquer pessoa que sofre humilhações nas filas dos hospitais [devido] à precariedade da saúde tem todo o direito de reclamar do nosso governo. Temos de ter humildade, porque nós estamos muito longe de já ter cumprido aquilo que foi o compromisso [de campanha] que é a esperança". Pena que os áulicos que infestam os palácios de governo usem os dados de crescimento da economia, que é real, para tapar os fatos (também reais) apontados não pela oposição, mas por um não-áulico como Ciro. Aliás, fatos antes também expostos por outro ministro capaz de pensar independentemente (Tarso Genro, da Educação), em artigo para esta Folha (dia 25 passado). Nele, Tarso defendia o "início de uma transição" do modelo econômico herdado, "capaz de crescer concentrando renda", para uma "nova situação estrutural". Comentei o artigo neste espaço, e o ministro mandou uma carta, dessas típicas de prestação de contas aos chefes, mas não negou que Lula herdara um modelo econômico "e busca a superação deste". São dois, portanto, os ministros capazes de enxergar, não na baixa, mas no melhor momento da economia no período Lula, que a esperança "está longe" de ter vencido, para usar a expressão de Ciro. Lula pode acreditar nos áulicos e nas pesquisas em que subiu uns pontinhos. Ou pode lembrar que Fernando Henrique Cardoso também teve pesquisas semelhantes, reelegeu-se e terminou seu segundo período sem que seu próprio candidato defendesse seu legado (e o modelo que Tarso Genro diz querer superar).
Publicadoem: Sun, Aug 15 2004 1:23 PM