Os quatro equívocos fatais da economia brasileira
Carlos Alberto Sardenberg, O Globo
Imaginem a situação de um médico legista diante de um corpo crivado de balas e que é questionado pelo promotor: "Qual foi o tiro fatal?"
É a mesma situação quando se pergunta: qual foi o erro fatal da presidente Dilma Rousseff? A economia brasileira foi atingida de tantas maneiras que se chegou a um quadro inédito: recessão com inflação; preços subindo mesmo com juros elevados; e contas públicas exauridas.
Não se chegaria a isto sem uma sequência de equívocos. Mas há um erro de base, que pode ser simbolizado numa frase: "gasto de custeio é vida".
Foi o que disse Dilma, ainda ministra do governo Lula, quando ajudou a enterrar um plano de longo prazo de controle das contas públicas.
Como o governo vinha realizando superávits desde o final dos anos 1990, havia espaço para acelerar o gasto. Mas a presidente conseguiu em apenas três anos sair de um superávit primário (receita menos despesa antes do pagamento de juros) de R$ 129 bilhões para um déficit de R$ 32 bi.
Desse erro básico resultaram as pedaladas. A um determinado momento, o dinheiro arrecadado com impostos já não era suficiente. A presidente partiu então para tomar empréstimos, primeiro legalmente, depois se financiando nos bancos públicos, violando regras sagradas da Responsabilidade Fiscal.
O quadro se completou com as desonerações de impostos concedidos a determinados setores, escolhidos entre os amigos da casa. Em vez de reduzir impostos para toda a atividade econômica, o movimento foi elevar para todos e aliviar para alguns. Havia uma suposta lógica: com carga tributária menor, aqueles setores investiriam mais.
Ocorre que não fizeram as contas e o resultado foi queda de receita, sem investimentos.
Fechou-se o grande erro: mais gasto, menos receita, déficit anual, crescimento da dívida e da conta de juros. Só o déficit primário chegou a R$ 142 bilhões em 12 meses acumulados até março último.
O segundo erro fatal foi a redução dos juros, em 2012, quando o Banco Central fixou a taxa básica em 7,25% ao ano — a mais baixa da história recente. E isso quando a inflação rodava no teto da margem de tolerância — em torno dos 6,5% ao ano. O governo fez exatamente o contrário do que determinava o regime de metas.
De novo, foi um erro conceitual. Baseava-se na falsa ideia de que os juros eram altos porque os banqueiros queriam — como aliás a presidente alardeou na sua campanha de 2014. Os juros eram altos, como são, porque tem inflação e muito déficit público. Tentou-se combater a inflação do modo mais equivocado: mantendo o dólar baratinho, barateando importados e dificultando a vida da indústria local.
Em meio a essas intervenções em pontos chaves da macroeconomia — juros e câmbio —, o governo Dilma aplicou controles sobre dois preços básicos: gasolina/diesel e energia elétrica.
A Petrobras foi obrigada, durante anos, a importar combustível caro e vender barato aqui dentro. Só nos quatro anos do primeiro governo Dilma, estima-se que a estatal acumulou um prejuízo de R$ 55 bilhões. Nesse mesmo período, a companhia foi jogada num plano de investimentos megalomaníaco: quatro refinarias, dezenas de navios, plataformas e sondas, negócios em setores fora de sua área.
Sem caixa, a Petrobras endividou-se, até chegar ao ponto atual: sem fôlego, cancela investimentos e negócios, arrasta a indústria de óleo e gás, tem que vender ativos em um momento ruim. E isso sem contar a corrupção.
Ainda em 2012, ano da plena aplicação da "nova matriz econômica", a presidente Dilma impôs uma redução de 12% na tarifa de energia elétrica. Isso num momento em que o custo da energia estava em alta, já sob ameaça da seca.
No mesmo momento, a presidente aplicou uma reestruturação do setor — o que veio a quebrar a Eletrobrás e impor prejuízos generalizados para geradoras e distribuidoras.
De início, o governo tentou salvar o setor arranjando empréstimos. Depois, dado o tamanho do prejuízo, e uma vez tendo passado as eleições, veio o tarifaço. No primeiro semestre de 2015, as tarifas subiram em média 50%. Em algumas regiões, quase dobraram.
Por trás de tudo, a concepção clássica de uma esquerda latino-americana. O governo faz tudo: gasta diretamente ou por meio das estatais; seleciona os setores privados que terão financiamento subsidiado; controla os preços básicos; manipula as variáveis macro, juros e câmbio.
Eis os quatro erros fatais.
A produção caiu, os brasileiros ficaram mais pobres.
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
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