Esperança
Acabo de retornar de uma viagem a Israel, tendo rodado o país de norte a sul e dedicado boa parte do tempo a visitas em Jerusalém e Nazaré. Como não falar, então, do tema da esperança neste clima natalino?
O povo judeu é perseguido desde tempos imemoriais. Egípcios, assírios, babilônios: a "judeofobia" não é novidade. Apenas no último século tivemos duas tentativas de destruição dos judeus: o nazismo de Hitler e as guerras dos países árabes contra Israel, visando à sua completa aniquilação. Não obstante, a nação judaica resiste, firme e forte, inclusive prosperando, com uma renda per capita acima de US$ 35 mil.
Uma das visitas mais tocantes foi, sem dúvida, ao museu do Holocausto. A tentativa de transformar os judeus em uma espécie sub-humana foi fundamental para o assassinato em massa perpetrado pelos nazistas, feito sem peso na consciência. Algo indescritível, que nos remete a um lado sombrio e asqueroso da natureza humana, que jamais deve ser ignorado ou esquecido.
Mas nem mesmo a morte de seis milhões de judeus pelos nazistas foi capaz de impedir a vontade de sobreviver e avançar do "povo escolhido", que impressiona justamente por sua capacidade de superação. Não há vitimização sensacionalista ali, e sim a obrigação de jamais se permitir o esquecimento do que aconteceu. Após atravessar aquelas imagens lúgubres, chocantes, vemos a luz emanando da floresta de Jerusalém, para reforçar a ideia de que, no fim, há salvação.
Não sem muita luta, trabalho e esforço. Israel superou não só os obstáculos naturais, de um solo desértico com pouca água, como também a vizinhança hostil que deseja destruí-lo. Fez isso arregaçando as mangas, inovando com muita tecnologia moderna, preservando uma democracia plural com respeito às minorias. É um exemplo notável de autoconfiança, que não pode ser confundida com ilusões vãs de quem sonha com um futuro radiante enquanto nada faz para no presente alcançá-lo. Os israelenses assumiram a responsabilidade por seu próprio destino.
Lá convivem em relativa paz e harmonia muitas religiões distintas. É um mosaico de culturas diferentes, todas sob o mesmo Estado e suas leis. Foi emocionante ver o senso de patriotismo dos drusos, por exemplo, uma dissidência islâmica que representa menos de 2% da população, mas que sente profundo orgulho daqueles que deram seu sangue para defender a liberdade possível em Israel.
Mais impressionante ainda foi ver judeus e muçulmanos trabalhando juntos em uma fábrica na Cisjordânia, todos unidos pelo mesmo propósito: o sucesso do negócio. O comércio une, como historicamente podemos comprovar. O gerente muçulmano não quer nada além de paz, e disse que mesmo se criarem um Estado Palestino, vai escolher viver onde houver democracia. Sente-se bem entre os amigos judeus.
Esse sempre foi o espírito do Natal para mim: a esperança de que é possível viver em paz, em um ambiente de tolerância para com as diferenças. Mas sem falsas ilusões, sem romantismo infantil. Sabemos que construir isso, o que chamamos civilização, não é fácil nem sem custo. Os bárbaros sempre estarão à espreita, muitas vezes ao nosso lado, lutando para destruir tudo aquilo que mais valorizamos.
O otimismo dos israelenses, apesar dos pesares, é contagiante. Mas sabem que não sobreviveriam nem por um dia sem a força de seu Exército, sem enfrentar com coragem e determinação os terroristas que desejam sua destruição. Não são tolos a ponto de achar que serão deixados em paz de oferecerem flores para cada míssil lançado sobre suas cabeças. Possuem clareza moral, pois sabem o que está em jogo.
"A esperança é a grande falsária da verdade", disse Baltasar Gracián. Sem dúvida: para quem apenas "espera" que coisas boas aconteçam, sem labutar por isso, estará vivendo uma doce ilusão, uma mentira. A esperança que importa é aquela erguida sobre pilares realistas, por pessoas cientes de como é árdua a tarefa de manter sua chama acesa. É a última que morre, na mitologia grega. Mas até ela pode morrer se não for cultivada.
Os brasileiros não podem perder a esperança. Preocupa-me a quantidade de gente jogando a toalha, adotando uma visão fatalista de que estamos fadados ao fracasso, que o povo não presta e nossa democracia não tem jeito. Tem sim! Não será fácil, as ameaças são grandes e os obstáculos, enormes. Mas podemos mudar. E temos sinais alvissareiros de instituições funcionando com relativa independência, tirando o sono dos corruptos, dos cupins que corroem nossa República, dos bárbaros. Esperança! E um Feliz Natal a todos.
Rodrigo Constantino é economista