sexta-feira, junho 27, 2014

Copa e devaneios malucos, surreais Ignácio de Loyola Brandão

Copa e devaneios malucos, surreais - Cultura - Geral - Estadão Mobile

Copa e devaneios malucos, surreais

Ignácio de Loyola Brandão - O Estado de S.Paulo

Perguntam-me: você não vai escrever sobre a Copa? Penso escrever, desisto. Porque não há um só jornalista ou escritor amigo que não tenha escrito alguma coisa. Não acho necessário. Vejo os jogos, me divirto, torço, vivo personagens irreais, que crio, coloco em campo. Como ser um centroavante alto e forte que consegue subir seis metros na área, para cabecear uma bola indefensável. Ou o jogador que dribla todo mundo, inclusive o goleiro, e em lugar de chutar, ao chegar à boca do gol, deixa a bola junto à risca de cal, como suprema ironia. Há, igualmente, um jogador que cola adversário que avança velozmente para o gol. E correndo de costas, mais rápido que o vento, tira a bola dos pés do rival na hora do chute fatal. Chute fatal, uma frase clichê.

Tem outro personagem idealizado, principalmente quando o jogo está aborrecido, que, ao bater lateral, consegue jogar a bola na área, ela faz uma curva, engana o goleiro e entra. Gol? Fico em dúvida, não conheço as regras. Gol assim, vale? Lances que provocam celeuma, debate, anima as mesas-redondas. Nesta Copa, já segui 765 mesas. Outro produto de meu imaginário é o ponta direita que avança até a linha de fundo e centra forte, com tal efeito, que a bola bate em algum zagueiro e entra no gol. O meu ponta (ou seria eu mesmo?) faz isso seis, sete vezes, conforme minha doideira na hora. Não sei se preciso consultar o Contardo Caligaris, o terapeuta pop, ou o Paulo Gaudêncio, o Flávio Gikovate, para me tratar.

Meus jogadores de fantasia fazem 15 gols por partida com a maior facilidade. Um deles tem tal potencia no chute que já quebrou as mãos de quatro goleiros. Quanto ele vai chutar uma falta, ninguém quer ficar na barreira. Muitos tiveram suas "bolas" esmagadas. Parece que houve vários jogadores reais com tiros tão potentes que eram um pavor para as defesas. Peracio foi um, Nelinho outro. Dizem que Peracio podia derrubar um muro de tijolos com um chute. Gosto muito de um jogador - que sempre sou eu, claro - que é de uma calma estonteante. Seja lá o que quero dizer com calma estonteante. Se o juiz começa a prejudicar seu time, a certa altura, ele calcula com a precisão de um físico (ou seria matemático?) e chuta a bola na trave. Ele bate com violência e retorna na direção do juiz, direto no queixo, como se fosse o uppercut de um boxeador, colocando-o à nocaute.

Tem outro, elegante como um Fred Astaire, que corre em direção ao gol como se estivesse dançando cm leveza. A cada adversário que tenta derrubá-lo ele dá um salto, parece se imobilizar no espaço e prossegue, imbatível, inderrubável. Existe a palavra inderrubável? Aquele que não cai nunca?

Jogadores impossíveis saem de minha fantasia, tanto que, muitas vezes, nem vejo o jogo real, não acompanho. O que sei é que jamais poderia ser comentarista de futebol. Quando critico chavões, clichês, lugares-comuns, tais como: pênalti, ou é ou não é, futebol é uma caixinha de surpresas, o jogo só termina quando acaba, fico pensando se eu teria capacidade de falar coisas originais durante 90 minutos. Dia desses, entrei em alfa ao ouvir um locutor (cujo nome não me vem neste momento em que o Uruguai derrotou a Itália) dizer que futebol é mesmo a caixa de Pandora. Ele terá ideia do que é a caixa de Pandora? Não jogo, nunca joguei futebol. Nunca critiquei ou escrevi crônica esportiva. Sou livre para criar esses meus jogadores maluquinhos que fazem jogadas estupendas, impossíveis. O mais impossível de todos, contudo, é um que jamais quis receber o prêmio de melhor jogador, jamais quis ter um empresário, jamais namorou uma loira ou uma mulher famosa, não tem carro de luxo importado, nem iate, nem relógios de R$ 50 mil, não frequenta baladas (mas também não vai à igreja), não usa roupas de grife, não tem smartphone, nem tablete, nem iPod, não finge cair quando empurrado no campo, jamais nega quando faz uma falta, e também não dá mordidas nos outros, como fez aquele Suárez, do Uruguai, que, imitando Mike Tyson, mandou os dentes no ombro do zagueiro italiano. Essa, sim, foi uma surpresa que estava na caixinha. Quanto ao Tyson, ele arrancou a orelha do adversário.





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