CORREIO BRAZILIENSE - 01/12
É bem mais do que um toma lá, dá cá o que está em jogo nas intrincadas negociações sobre o programa nuclear do Irã. O acordo interino alcançado há uma semana, em Genebra, representa antes de tudo uma bem-vinda reafirmação de que a diplomacia deve ser sempre a primeira opção para resolver impasses, tanto mais quando eles implicam o risco de conflito armado. Nunca será demais recordar à máxima segundo a qual as guerras são invariavelmente mais fáceis de começar do que de terminar. O mundo do século 21 guarda exemplos ilustrativos, como a questão árabe-israelense e a divisão das Coreias.
Para além de afastar do horizonte mais próximo as nuvens de uma confrontação com desdobramentos imprevisíveis, o entendimento entre a República Islâmica e as potências que formam o grupo P5+1 (Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia, China e Alemanha) é aposta no engajamento. A história recente oferece exemplos opostos, como o da invasão norte-americana ao Iraque, em 2003 - paralelo que se justifica, inclusive, pelo fato de que também ali era o desarmamento que estava em pauta. Passados mais de 10 anos, a recente onda de violência no país serve como lembrete de que as soluções de força, mesmo quando aparentam eficácia instantânea, muitas vezes se revelam efêmeras e ilusórias.
Na prolongada queda de braço entre as potências e o regime islâmico de Teerã, merecem consideração atenta as razões contrapostas. De um lado, o zelo para manter de pé o regime internacional de contenção das armas nucleares, consubstanciado no Tratado de Não Proliferação (TNP). Impedir que mais um sócio irregular se some ao clube das potências atômicas, já "invadido" por Índia, Paquistão e Coreia do Norte, foi a determinação primeira dos sócios oficiais: EUA, Reino Unido, França, Rússia e China, os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. De sua parte, o Irã fincou o pé em seu direito, como país signatário do tratado, de dominar o ciclo completo do combustível nuclear para uso civil - o que inclui o enriquecimento de urânio.
Mais importante do que ter encontrado um denominador para reverter o curso do confronto para o da cooperação, o troféu que a diplomacia conquistou até aqui são as primeiras brechas abertas em um muro de desconfiança. Essa é a expressão usada por um ex-presidente iraniano, o reformista Mohammad Khatami, para referir-se às três décadas de animosidade com o Ocidente, em especial os EUA, desde a Revolução Islâmica de 1979. A fórmula acordada em Genebra tem a virtude de fundamentar-se em concessões mútuas e compromissos recíprocos: em poucas palavras, o Irã aceita congelar por seis meses os progressos que poderiam aproximá-lo da bomba atômica em troca de um alívio, parcial e facilmente reversível, no duro regime de sanções internacionais ao qual está submetida sua economia.
Até por se tratar de arranjo inicial e temporário, sujeito a revisão insistente, o acordo entre o Irã e o P5+1 abre caminhos para nova etapa nessa relação conturbada, fonte de riscos que extrapolam em muito as fronteiras da antiga Pérsia. Persistir no diálogo é também maneira de manter sob observação e vigilância um perigo potencial. Um Estado tratado como pária e banido do convívio internacional não tem compromissos a honrar nem benefícios a preservar.