O Estado de S.Paulo - 06/12
O
ideal seria que José Dirceu não tivesse cortado relações com a lei e
por isso sido condenado e preso. Mas, já que escolheu esse caminho e o
Supremo Tribunal Federal decidiu lhe dar pena de prisão, desde o último
dia 15 ele está sob a tutela do sistema prisional onde regra é regra.
Dirceu,
contudo, teima em negar essa realidade. A ficha, como se diz, ainda não
caiu. São várias as evidências. A última, o pedido feito à Justiça para
que possa continuar atualizando seu blog mesmo na penitenciária.
Note-se:
a solicitação não se relaciona com a ainda aguardada autorização do
juiz da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal para Dirceu
trabalhar fora durante o dia, como lhe assegura o regime semiaberto até
que seja julgado o embargo infringente pelo crime de formação de
quadrilha.
O advogado dele pede, com base na lei que confere ao
preso direito de comunicação com o mundo exterior por meio de
correspondência escrita, que Dirceu faça o blog e dê entrevistas de
dentro do presídio da Papuda.
Essa lei (7.210) diz que o detento
pode exercer suas atividades anteriores "desde que" sejam compatíveis
com a execução da pena. Aqui parece que se resolve a questão e se
evidencia o despropósito da regalia pretendida.
A menos que o
faça por meio de cartas, para abastecer o blog Dirceu precisa de um
computador. A lei não fala nessa hipótese, até porque data de 1984,
pré-internet. Mas não fala também sobre o uso de telefones celulares e
eles são proibidos nas penitenciárias por obviamente incompatíveis com a
execução da pena.
Os celulares, sabemos, entram
clandestinamente, mas não é isso que Dirceu pretende, claro. Concedido
seu pedido, estaria criado o precedente para que os demais presos
reivindicassem o mesmo ou pior. Ninguém imagina que aceitariam
passivamente o privilégio.
Por muito menos, houve revolta das
famílias dos presos na Papuda com a romaria de visitas que entravam e
saíam quando bem entendiam até o Ministério Público pedir isonomia de
tratamento a fim de não criar instabilidade no ambiente já instável e
deteriorado de uma cadeia.
Dirceu deseja também dar entrevistas
como sempre fez, inclusive durante o julgamento como alega seu advogado
para embasar o pedido, propositadamente ignorando um detalhe: lá não
estava condenado, era presumidamente inocente. Deixou de sê-lo quando o
STF provou o contrário.
Por muito menos, uma só entrevista à
revista IstoÉ, José Genoino foi proibido de falar à imprensa pelo juiz
da execução. E isso porque estava fora da prisão, no hospital. Continua
proibido mesmo tendo recebido o benefício da prisão domiciliar
temporária. Se Genoino não pode dar entrevistas por que Dirceu poderia?
Os pedidos são tão audaciosos que chegam a levantar a suspeita de que só os faça para se manter em destaque no noticiário.
José
Dirceu exigiu ser tratado como preso político; quis ganhar R$ 20 mil
passando o dia num hotel exercendo profissão que não se enquadrava no
quesito "atividades anteriores"; pretendeu receber visitas ao arrepio
das normas impostas aos demais; tentou furar a fila dos colegas com mais
de 60 anos de idade que aguardam o exame de suas propostas de emprego
para usufruírem o direito dado pelo regime semiaberto.
Agora quer
se comunicar online com o chamado mundo exterior. Ou seja, quer vida
normal. Por mais duro que pareça, isso não é possível. Houve um
processo, um julgamento, uma condenação e há pena a ser cumprida (por
corrupção ativa, em caráter definitivo). Embora se ache uma pessoa
incomum, José Dirceu é, desde o dia 15 de novembro, um preso comum.
Tanto quanto seus ex-colegas de Parlamento cujos mandados de prisão foram expedidos ontem.