| Veja - 02/12/2013 |
O
Cruzeiro perdeu para o Vasco por 2 a 1. O Cruzeiro é o campeão
brasileiro (com quatro rodadas de antecedência). O Vasco luta para não
ser rebaixado. A diferença técnica entre os dois times é abissal a favor
do Cruzeiro. Foi uma partida estranha. Antes do jogo, o zagueiro Dedé,
do Cruzeiro, afirmou seu amor ao Vasco, clube que o revelou. Pediu para
não atuar na partida. Disse aos colegas que não gostaria de ver o Vasco
rebaixado. Em campo, os atletas campeões pareciam estar com sono. O
Brasil ético diz que não houve nada de mais nesse jogo. O Brasil ético
precisa comer muito arroz com feijão para entender o que é ética.
A
cena mais polêmica foi a imagem do jogador Julio Baptista, do Cruzeiro,
dizendo a um zagueiro do Vasco a frase: "Faz logo outro". O time
carioca vencia por 2 a 0, e o jogador do time mineiro recomendava ao
adversário que fizesse outro gol, conforme mostrou a leitura labial.
Imediatamente, choveram explicações: "Num campo de futebol se diz
qualquer coisa", "há todo tipo de provocação", "armação de resultado é
teoria conspiratória" etc.Explicações que só tornam mais lamentável o
que se passou no Maracanã.
Quem
conhece futebol pode pular toda essa literatura. Basta observar o
comportamento da defesa do Cruzeiro no segundo gol do Vasco. A zaga de
postura implacável nos mais de 30 jogos anteriores, que não deixava
espaço para os adversários respirarem, parecia naquele lance passear no
shopping. Como numa pelada de casados e solteiros, o jogador do Vasco
prestes a fazer o gol recebe uma marcação, por assim dizer, distraída -
com os zagueiros do Cruzeiro esboçando um movimento de talvez, quem
sabe, se aproximar do adversário quando ele já tivera tempo para dominar
a bola, ajeitá-la e penteá-la. E, já que ninguém se opunha, chutá-la
para o gol.
Como
disse recentemente na rádio CBN o jornalista Marcos Guiotti, jogador de
futebol, se quiser, sabe entregar o jogo com toda a discrição. O
futebol se pratica hoje com altíssima velocidade e dinamismo, e uma
sutil desaceleração aqui e ali já pode liquidar a fatura. O Brasil
cordial e benevolente prefere decretar que o Cruzeiro perdeu porque
estava cansado da comemoração do título. Pode-se acreditar nisso, e
esperar que Papai Noel desça de trenó no Mineirão.
O
Brasil faz acrobacias politicamente corretas, legisla sobre tudo nessa
indústria do proselitismo pró-minorias, mas se recusa a olhar o seu
caráter no espelho. O time do Cruzeiro tinha conquistado o título por
antecipação, e imediatamente assumiu a postura comum à média dos
brasileiros que conquistam algum poder: agora faço o que quiser. O
lutador de MMA Anderson Silva, exaltado por sua origem humilde e sua
batalha suada para vencer a pobreza e o preconceito racial, também não
resistiu. Transformado em mito, resolveu debochar do adversário, rebolar
diante dele, usar o poder conquistado para se dar o direito à soberba e
ao escárnio. Uma noção patética da liberdade que o poder proporciona.
Foi nocauteado.
Os
mensaleiros foram nocauteados pelo mesmo motivo. Já na primeira posse
de Lula, era possível notar o deslumbramento, com sua afirmação de que a
Presidência da República era o ponto mais alto a que alguém poderia
almejar. O poder como fim, não como meio. O mensalão e demais esquemas
em que o PT se meteu decorrem da sensação de liberdade discricionária:
cheguei ao topo e posso tudo. Silvinho Pereira achou normal ganhar uma
Land Rover de uma empresa que fazia negócios com a Petrobras. Fernando
Pimentel, que o Brasil cordial permite continuar ministro do
Desenvolvimento, prestou consultorias milionárias e jamais demonstradas,
graças aos seus belos olhos de amigo de Dilma.
José
Genoino diz que só subscreveu os documentos do valerioduto porque era o
presidente do PT. Mas jogou fora a chance de mostrar respeito pelo
dinheiro público ao pedir, depois de toda a sangria do mensalão,
aposentadoria por invalidez na Câmara. O poder será usado - com fins
privados - até a última gota.
O
time do Cruzeiro afronta o próprio clube ao usar seu poder de campeão
para fazer caridade ao ex-clube de um colega. Mas o Brasil não liga. Dá
uma rebolada e segue em frente, como o caranguejo.
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