O GLOBO - 19/12
A
redução dos incentivos monetários da economia americana mexeu ontem com
preços de ativos e humores dos investidores mesmo antes de ser
anunciada. É uma pequena redução, de US$ 10 bilhões, mas confirma a
entrada numa nova era, cuja tendência é de valorização do dólar: O
Brasil vai passar por essa transição com déficit em transações
correntes.
Para a economista Monica de Bolle, o pequeno movimento acaba com o debate sobre quando o estímulo seria reduzido:
— O mercado sempre tem que ter um fetiche, agora acaba o fetiche, e eu acho que na medida que foi já está no preço.
Quando
compra os títulos, o Fed injeta dinheiro na economia e desvaloriza o
dólar. Por isso, o dólar vinha subindo em vários países, na expectativa
dessa mudança. O valor dos títulos do Tesouro americano de 10 anos subiu
de 1,6% para 3% desde que se começou a falar na redução.
Há
outras dúvidas sobre a economia americana. Monica da Bole, professora da
PUC-Rio e consultora da Galanto, diz que um problema tem sido pouco
tratado, mas apareceu no painel americano: a inflação baixa demais. Para
nós, isso soa estranho, mas o fato é que a armadilha da deflação que
aprisiona o Japão é sempre uma preocupação nas grandes economias. A
deflação prolongada leva à recessão.
Os Estados Unidos estão se
recuperando e isso é que levou o Fed a reduzir em US$ 5 bilhões a
re-compra de títulos do Tesouro e outros R$ 5 bilhões de papéis
imobiliários. Monica chama atenção para o PPI, índice que mede os preços
ao produtor. Nos Estados Unidos, há uma relação mais direta entre os
dois tipos de inflação.
— Há três meses o PPI está negativo, o que pode levar à queda dos preços ao consumidor. A recuperação èstá ocorrendo,
mas
sem aumento de salário. O acordo feito no Congresso para aprovar o
orçamento incluiu a revogação da ampliação do tempo do
seguro-desemprego. Isso significa que quem está desempregado há mais
tempo vai perder o auxílio — alerta Monica.Seja como for, o mercado
financeiro já mudou suas apostas por causa do fim gradual das injeções
de dinheiro na economia, conhecidas pelo nome de quantitative easing 3. E
o número se refere ao fato de que no período de Ben Bemanke no Fed essa
é a terceira rodada de injeção de dinheiro na economia.
Ontem
foi a última reunião do Fed presidida por Bernanke. No ano que vem,
assumirá a nova presidente Janet Yellen. Discute-se agora o seu legado.
Ele exerceu o mandato com a preocupação central de evitar a repetição do
que aconteceu nos anos 1930. Nesse aspecto, pode sair confiante de que
cumpriu seu papel. Enfrentou crise grave e evitou que a economia
entrasse no mesmo circulo vicioso que levou à depressão.
Cometeu
erros no caminho. Demorou para ver o tamanho da bolha que se formara na
economia; deixou um banco quebrar, o Lehman Brothers, provocando um
episódio de pânico que sacudiu a economia do mundo inteiro, para no
momento seguinte salvar todos os bancos e seguradoras que quebraram.
Despejou
dinheiro na economia para combater o desemprego que chegara a 10%, e
que agora volta aos 7%, e, antes de sair, deu ontem o primeiro passo
para que o mercado viva sem o anabolizante de US$ 85 bilhões por mês a
mais em circulação na economia. Não há um cronograma para eliminação do
estímulo. É apenas um primeiro passo, mas com forte valor simbólico.
Significa que para o Fed o pior passou. O caminho da normalização será
longo. O nosso problema é conviver com a volatilidade do dólar nessa
transição, principalmente em época de déficit em transações correntes,
ou seja, as contas externas.