O ESTADÃO - 15/12
Não têm sido boas, na semana passada pioraram e tendem a se deteriorar de vez as relações entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal caso não seja feito um arranjo no meio dos dois campos para se chegar a um entendimento sobre os limites de atuação de cada um dos Poderes. O Judiciário justifica que age no vácuo da inércia do Legislativo que, por sua vez, se sente usurpado em suas prerrogativas e já começa a preparar atos de revide explícito.
Na visão de um líder de bancada expressiva na Câmara, o Supremo pretende levar o Parlamento “ao corner” ao tentar proibir o financiamento de campanhas por empresas privadas com base no princípio da igualdade entre os cidadãos (cláusula pétrea da Constituição) só para impedir que deputados e senadores anulem a decisão por meio de emenda autorizando aquelas doações.
Cláusulas pétreas, como assenta a expressão, não podem ser modificadas. Em contrapartida, já se articulam no Congresso dois tipos de medidas: uma contra a Ordem dos Advogados do Brasil, autora da ação de inconstitucionalidade das doações corporativas, outra para atingir os ministros do Supremo.
Na quinta-feira, quando ficou clara a disposição de proibir as doações, os parlamentares começaram a falar de novo em acabar com as provas para obtenção de registro na OAB. O fim do “exame da Ordem” já sofreu duas derrotas no Congresso, mas diante do assunto posto em pauta pela entidade, muitos dos que eram contra vão ficando a favor: há movimentação para pedir votação em regime de urgência para esta semana, antes do recesso.
Outra reação ficaria para o ano que vem, quando concluído o julgamento interrompido pelo pedido de vista do ministro Teori Zavascki. A ideia é retomar a proposta de estipular um tempo de mandato para os ministros, que hoje só saem do cargo por desistência voluntária ou por aposentadoria compulsória aos 70 anos de idade.
O clima é de beligerância crescente pelo acúmulo de decisões judiciais que o Congresso acredita de sua exclusiva competência, culminando com essa questão do financiamento. Da perspectiva dos parlamentares, agora o STF entrou em área de ameaça à sobrevivência eleitoral de cada um deles.
A falta de diálogo entre os dois Poderes é patente. O espaço para interlocução, várias vezes utilizado quando questões sensíveis mereciam abordagens diretas entre as cúpulas do Legislativo e do Judiciário, ficou interditado desde a posse de Joaquim Barbosa na presidência do STF. Ele é visto como um oponente. Por alguns, possível concorrente.
Há questionamento sobre a oportunidade de uma decisão sobre doações perto de uma eleição presidencial e o temor de que isso tumultue o processo. A ação da OAB chegou ao Supremo há dois anos.
E por que nesse meio tempo o Congresso não se mexeu para legislar sobre o financiamento? A resposta que se ouve é bastante óbvia: porque o Congresso quer manter as regras atuais e, se assim o deseja, considera que tem o direito delegado pelo voto popular de tratar o assunto como acha que deve ser tratado.
Não há, por esse raciocínio, base institucional para o Supremo acumular as funções de legislador e julgador. Nem haveria lógica formal na declaração de inconstitucionalidade do sistema de arrecadação em vigor que elege presidentes que indicam ministros do Supremo, cuja nomeação é confirmada por senadores também eleitos pelo mesmo sistema.
Seriam, então, todos ilegítimos, o processo estaria todo viciado por inconstitucional? Em face da realidade, a pergunta soa meramente retórica. Mas, se interesse houvesse das partes, poderia muito bem servir como ponto de partida para a construção de um ambiente mais afeito à convivência entre as instituições que ao clima de ringue de luta livre que assola a capital da República.