O Papa voltou para Roma, parece que as grandes manifestações estão rareando e, ao olharmos em torno, acredito que muitos de nós concluiremos que, apesar de alguns artigos pretendendo avaliar eventos dos quais ainda não se tem boa perspectiva e diversos pronunciamentos altissonantes sobre a voz das ruas, nada mudou, pelo menos que dê para notar. No começo, não deixou de ter seu lado divertido, até cômico, o cagaço afobado que se instaurou entre os legisladores, depois de visões alarmantes, como a da multidão de manifestantes encarapitada na cúpula do prédio do Congresso Nacional. Trabalharam febrilmente, professaram com ardor sua dedicação à vontade dos governados e mal dava para reconhecer, em tal pugilo de denodados, os trezentos picaretas anteriormente apontados por um conhecedor da matéria.
O Executivo também apresentou um número caprichado, uma ópera movimentada, cuja inteira exegese talvez venha a escapar-nos para sempre. A presidenta, como se tivesse sido alertada pela primeira vez para os problemas levantados, elogiou enfaticamente a opinião das ruas, logo reagindo de bate-pronto, através de uma série fulminante de medidas destinadas a atender às demandas com a presteza exigida pela situação, tais como uma constituinte específica para a reforma política e, logo em seguida, um plebiscito. Tirou do ar verbas e recursos, passou uma para lá, outro para cá, trocou este daqui por essa de acolá e vice-versa, como naquele truque da bolinha embaixo de cascas de nozes, em que, depois que o mágico muda as cascas de lugar, a gente nunca sabe onde está a bolinha, e — abracadabra — não resolveu nem alterou nada.
Tivemos ainda, na performance do governo, uma manobra inovadora, executada pela presidenta. Ela não chegou a convidar o Papa a ingressar no PT, nem comunicou que ele fora aclamado membro honorário do partido, mas mostrou como aquilo que ele começa a pregar somente agora os governos petistas já de muito vêm fazendo no Brasil. Ficou, talvez, faltando o trecho que proclamaria que nunca antes na história da Cristandade um partido político deu tantos bons exemplos a um Papa. E merece registro ter-se tratado da primeira vez em que um presidente, ou presidenta, brasileiro, ou brasileira, fez um relatório de governo ao Vigário de Cristo, isto é, o representante do Cristo neste mundo. Se Deus também tem dificuldade com matemática e também se deixa engabelar por estatísticas fajutas, o apoio lá de cima está garantido.
Era convicção lá em Itaparica que, no decorrer do campeonato baiano de futebol, o Senhor do Bonfim pedia, a alguns santos menos solicitados e com tempo livre, para fazer uma triagem nas promessas e determinava o arquivamento dos pedidos de intervenção nos jogos, além de, em que pesem todas as inúmeras alegações em contrário, nunca ter tido nada a ver com o resultado de nenhum Ba-Vi. E, nas decisões, mandava até desligar o canal de rezas de futebol. Creio que o mesmo pode ser dito de preces de candidatos, mas é claro que isso não impede que, a esta altura, com a eleição do próximo ano na cabeça de todos, já se tenha iniciado um acender geral de ventas pressurosas, um palpitar ansioso de corações sôfregos, um frêmito nervoso de mãos irrequietas, um entreabrir e entrefechar de bocas antecipando morder e mamar.
São os que procuram garantir seu futuro e cumprir o ideal que norteia a maior parte de nossos homens públicos, ou seja, se fazer e permanecer no sacrifício da vida política o quanto se possa, aproveitando para encaminhar a família e favorecer os amigos. Se se derem bem, entrarão para uma casta superior, ou permanecerão nela. Os membros dessa casta, a depender de seu escalão, recebem muitas recompensas pelo esforçado empenho em chegar ao poder e nele permanecer, dele extraindo o máximo proveito possível. Não entram em filas, não se se expõem a nenhum dos desgastes que infernam o cotidiano dos súditos, do transporte à saúde, à aposentadoria, ao futuro dos filhos e a tudo mais que tira o sono e o sossego dos súditos. E, ao que parece, muitos não pagam rigorosamente nada, desde a conta do restaurante à passagem de avião, desde esmalte de unhas a papel higiênico.
Os partidos, como sabem os manifestantes, são agrupamentos intercambiáveis, sem compromisso a não ser com truísmos vagos e alianças interesseiras, sem programas, projetos, sequer slogans. Trocar de partido visa apenas a atender a conveniências pessoais, jamais a convicções. Ficam até falando em esquerda e direita, como se alguém nesse balaio todo não estivesse disputando a mesma coisa, pelas mesmas razões e com os mesmos objetivos, e algum deles soubesse distinguir abstratamente esquerda de direita. Ninguém está vendo nem esquerda nem direita, o que se vê é um governo que administra de solavanco em solavanco, indo e vindo e tocando de improviso, reduzindo um imposto aqui, atamancando uma obra ali, voltando atrás acolá, nada que integre um todo coerente, nada estrutural, tudo conjuntural, como se dizia.
Não há mais tempo para apresentar grandes realizações e vem aí a Copa, quase em cima da eleição. Não tem transposição do São Francisco, não tem ferrovia Norte-Sul, não tem obras de infraestrutura, o pré-sal por enquanto é só gogó, nada deu certo e receiam os mais aflitos que a canoa da presidenta esteja fazendo muita água e agora precisam, com perdão de uma metáfora em cima de outra, adivinhar onde amarrar seu burro, deve ser muito estressante. Quanto aos governados, o que sabemos com certeza mesmo é que a presidenta não deu sorte novamente e o trigo está subindo de preço, o leite também, as hortaliças também. Ou seja, vem aí nova tomatada da inflação, provavelmente bem mais forte que a precedente. Acho que só tacando um plebiscito em cima dessa inflação, para acabar com ela de uma vez por todas.