sexta-feira, abril 05, 2013

Entre iguais - Merval Pereira

O Globo 


Provavelmente o pastor Marco Feliciano vai perder seu cargo de presidente da Comissão de Direitos Humanos, e talvez até mesmo seu mandato de deputado federal, por palavras e atos. Suas palavras e atos, no entanto, não o impediram de ser eleito para presidir uma comissão que já foi das mais procuradas pelos grandes partidos, especialmente os de esquerda, quando não estavam no poder. Alcançado o objetivo prioritário, que é também o dos políticos evangélicos, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara passou a ser descartável, o que deu margem a que outros aventureiros a cobiçassem.

O pastor Everaldo, que comanda a bancada evangélica do PSC, já faz planos de se candidatar à Presidência da República, sonhando com possíveis cinco milhões de votos, que, se não são suficientes para elegê-lo, são mais que suficientes para torná-lo um aliado de peso na definição do vencedor.

O PSOL, que se destaca, neste cenário de banalização do fisiologismo que domina o Congresso, por uma ação moralizadora verdadeiramente republicana, mesmo para os que não concordam com sua linha política, entrou com uma representação contra o pastor Feliciano na Comissão de Ética da Câmara baseado em fatos concretos de manipulação do dinheiro público com fins privados.

Como diz o deputado Chico Alencar (RJ), "fala-se muito de sua "teologia retrógrada", de suas prédicas retumbantes e obscurantistas contra diversos segmentos sociais, e da tensão permanente que se instalou em torno das sessões da CDH, que ele insiste em presidir. Mas o que me parece mais concreto ainda é o uso da estrutura do mandato (recursos públicos) para fins privados, como detalhado em representação que apresentamos ontem, e que será apurada pela Corregedoria e pelo Conselho de Ética da Casa. Não podemos "naturalizar" esses procedimentos, que, aliás, tiram a autoridade moral do "pregador". Afinal, não se pode amar a Deus e ao dinheiro."

São exemplos evidentes de utilização de assessores pagos pela Câmara que atuam em outros negócios do deputado-pastor e de desvio de verbas para fins privados através de empresas particulares em seu nome ou de laranjas. Mas fica difícil considerar que uma provável punição ao pastor resolverá o problema numa Câmara em que deputados condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como José Genoino (SP) e João Paulo Cunha (SP), são nomeados por seu partido, o PT, para a Comissão de Justiça e onde nada menos que oito presidentes de comissões como Feliciano estão sendo processados ou investigados pelo Supremo Tribunal Federal, como mostrou um levantamento do sítio "Congresso em Foco". Além do mais, desses crimes de que Feliciano está sendo acusado muito justamente, é acusado grande número de seus pares, incluídos os presidentes da Câmara e do Senado, mas o corporativismo não deixa que sejam nem mesmo investigados, quanto mais punidos.

Além do presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, que está sendo julgado pelo Supremo por peculato, também enfrentam ações penais os presidentes das comissões de Finanças e Tributação, João Magalhães (PMDB-MG), que está com seus bens bloqueados desde dezembro do ano passado, por decisão da Justiça Federal em Governador Valadares; de Agricultura e Pecuária, Giacobo (PR-PR); e de Desenvolvimento Urbano, Sérgio Moraes (PTB-RS).

Outros quatro presidentes de comissões são alvo de inquérito no STF: Décio Lima (PT-SC), novo presidente da Comissão de Constituição e Justiça; Lincoln Portela (PR-MG), que preside a Comissão de Legislação Participativa; Roberto Santiago (PSD-SP), responsável pela Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público; e Romário (PSB-RJ), que responde pela Comissão de Desporto e Turismo. Há também outro presidente, este da Comissão da Educação, o deputado federal Gabriel Chalita, do PMDB de São Paulo, que pode vir a ser processado pelo Supremo Tribunal Federal por acusações de ter recebido propina quando era secretário de Cultura do governo de São Paulo. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, já pediu explicações ao deputado e, dependendo das respostas, pode abrir um processo contra ele.

A saída de Feliciano vai resolver o quê?
O Globo